Maria Bonomi

Nilza Procopiak

Nenhuma modalidade artística apresenta maiores contrastes e antíteses
do que a gravura porque sua essência é, paradoxalmente, a oposição.
Oposição entre a delicadeza e a fragilidade do resultado final – a
xilogravura em papel – e a solidez e concretude dos recursos utilizados
para consegui-la, numa arte que usa do duradouro para representar o
perene na leveza do suporte. Oposição que faz trabalhar o fundo através
da subtração de material, pelos antônimos do claro e do escuro, ao
invés de operar no plano com áreas, linhas e contornos.

Oposição alcançada não somente pela presença/ausência do negativo e do
positivo, que se contrapõem na superfície entintada versus a limpidez
do papel, como também por ser a própria execução deste gênero de
gravura inteiramente baseado em contrários.

Uma vez que o gesto que guia os instrumentos cortantes – a goiva, o
formão – não acrescenta, e sim retira a matéria, a concepção mental de
uma xilogravura acontece, já no início, via uma inversão. Como
conseqüência, as áreas têm que ser pensadas não sob um aspecto imediato
que satisfaça as percepções, tanto cognitivas quanto sensíveis do
artista, mas em função de um avesso total, representado pelo vazio –
verdadeiro esconderijo da criação.

Extraídas daí – do hiato desconhecido que rege a criatividade – as
formas na xilogravura são resolvidas em seus negativos nas matrizes de
madeira, num entalhe plano, seco, rígido, característico da grande
produção das gravuras feitas por este processo.

É aqui que entra, pela sua diferenciação, a obra da grande gravadora
brasileira Maria Bonomi – “xilógrafa”, segundo o crítico de arte Jacob
Klintowitz.  Porque a artista não se limita ao simples registro de
sulcos e entalhes. O vazio para ela não é o vazio. É o espaço
retalhado, talhado e perseguido incansavelmente por meio de fluidas e
precisas incisões – índices marcantes do seu pleno domínio do sulco
recortado. Recorte este que vai iluminar a matriz de uma beleza
plástica que a transforma em outra obra de arte, anômala e autônoma,
singular em sua origem, visto que surgiu como veículo para uma
linguagem diferente.

Nestas reentrâncias cavadas, a obra que seria efetuada em duas
dimensões tira partido do estéreo – do sólido, tridimensional –
aflorando então uma gravura que nasce escultura. Suas xilogravuras
primam pelo tratamento especial dado às matrizes, as quais, em primeira
instância, se mostram como peças escultóricas, altamente elaboradas com
riqueza de entalhes, plano a plano, num trabalho cujo cerne é o espaço
escavado.

Escrito tempos atrás, já se nota em meu texto acima sobre Maria Bonomi,
a onipresença da tridimensionalidade e das relações entre espaços em
sua obra. Na época, a artista já tinha elaborado alguns trabalhos em
locais públicos e se percebia que não só Bonomi tinha como partido a
espacialidade e as três dimensões, mas também que estes atributos
haviam se tornado aspectos determinantes na sua produção até ali mais
direcionada à gravura.

Assim, gravadora por excelência, cuja essência provém da
tridimensionalidade, os trabalhos de Maria Bonomi estão agora entre
nós. Como curadora da única individual da grande artista, já realizada
antes em Curitiba, em 1990, inserida na IX Mostra da Gravura Cidade de
Curitiba, dou as boas vindas à ela e sua obra.

Com exposição no Museu Oscar Niemeyer, Bonomi apresenta alguns
trabalhos totalmente desconhecidos do público curitibano, entre os
quais xilogravuras que foram expostas na China, na Europa e nos Estados
Unidos; além de uma instalação premiada na Trienal de Gravura, em
Praga, em 2001. Há também uma série de metais gravados e fundidos, como
“Layers of Love”, peças expostas suspendidas na montagem e constituem
uma das principais linguagens artísticas desenvolvidas ultimamente pela
artista.

Diz Bonomi: “A prática em arte precede a teoria. É uma grande busca
resultante em um trabalho duro para descobrir como provocar reações
espontâneas e experiências intermináveis. Os materiais me fazem
perguntas e eu faço também perguntas aos materiais que uso; correspondo
e questiono. Há um diálogo em sintonia com a matéria e sua ‘ação’.
Busco a clareza, mas nunca contei com uma obra pronta; não tenho uma
obra finita. O que estou apresentando faz parte de um processo
contínuo. A percepção do infinito está dentro de nós. (…) A arte não
é conciliatória; ela é a busca do equilíbrio na instabilidade.” 

Até fevereiro de 2008, no Museu Oscar Niemeyer (R. Mal Hermes, 999 fone 41-3350-4400)