Não é sempre que se dá um encontro tão feliz em arte quanto o que reúne Juliane Fuganti e Marcelo Conrado. E esta reunião é tão inesperada e surpreendente nas respectivas linguagens artísticas que o resultado só pode ser classificado de excelente. O contraste entre a obra gestual pictórica de Marcelo e o contraponto efetuado pelo aspecto concreto da tridimensionalidade da cerâmica de Juliane se somam, alcançando a máxima em que “o total é maior que a soma dos elementos”.
Abrindo amanhã, às 19h30, a exposição “Memória Urbana” apresenta as mais recentes obras dos dois artistas contemporâneos no Mezanino da Caixa Cultural, nesta cidade (Rua Conselheiro Laurindo, 280 fone 41 2118-5114).
Da análise feita pelos dois artistas, tomando a cidade como exemplo do espaço urbano, espaço de vida e de arte e mais o próprio espaço urbano como o lugar em que a arte se desenvolve seguindo caminhos nunca imaginados previamente, tanto Juliane quanto Marcelo inferem microcosmos bem diferenciados dos diversos aspectos da metrópole em suas linguagens.
Diferentemente da figura emblemática do “flâneur”, descrito em “O Pintor da vida moderna” por Charles Baudelaire, escrito entre 1859-60, que é o indivíduo que simplesmente passeia pelas ruas usufruindo de seus sons, luzes, formas, cores, cheiros e movimentos, os artistas traduziram estas impressões e sensibilidades na criação de suas obras de arte.
São duas linguagens contrastantes a dos artistas; mais gestual e dinâmica no trabalho de Conrado e mais estática e icônica na obra de Juliane. Apesar do fato dela estar mostrando mais de uma técnica – gravura e cerâmica – considero-as equivalentes na alta qualidade icônica.
Nas linhas de Conrado vejo traçados que refletem o movimento citadino, a correria do dia a dia, a problemática do trânsito, a passagem do tempo, enfim, a visualização da vida de uma cidade que já se tornou metrópole, como Curitiba.
O texto de Maria José Justino explica: “Conrado é um artista em estado de graça. Energia pura, gestual, expressivo. Mordido pelo caos, busca nas sinfonias das linhas compor a sua poética. Sua obra é marcada pela fragmentação crescente das formas, pela multiplicação das linhas, pela predominância dos traços, pelo abandono do ponto de vista único. As cores vão sendo reduzidas a tons surdos, mas não são desprovidas de vibração. Trata-se de uma pintura desenhada: na medida em que pinta, desenha.” E completa “Lidando com traços, linhas nervosas, fios que se entrelaçam na pele dos tecidos, nas tramas da cidade, escreve a sua poética.”
Sobre Juliane, Maria José escreve: “A gravura e a cerâmica se prestam à sua personalidade inquieta, exatamente por serem matérias que não se entregam com facilidade. São linguagens que apresentam resistência, força própria; reclamam, ambas, um embate físico. A gravura desafia e pode apresentar surpresas. Idem com a cerâmica. São as provocações da matéria que pulsa. Não basta apenas saber lidar com o buril ou manipular o barro. Há resultados inesperados na queima do barro, na obtenção da cor desejada, do mesmo modo que na impressão do gravado. É preciso trabalhar com a possibilidade das surpresas. Isso sempre interessou Fuganti, que embora submeta-se à disciplina e exercite a paciência, não abre mão da liberdade. (…) Dos sulcos e incisões no metal e na cerâmica, Fuganti passa à exploração da terracota policromada.
Glauco Menta apresentou-a à cerâmica. Com ele, Fuganti não apenas aprendeu a dominar o barro, como vem se convertendo ao gosto barroco. O barro permite ser moldado com mais facilidade, oferecendo intimidade, visto guardar menos resistência e mais flexibilidade.
Hoje, tanto na gravura como na cerâmica, a imagem emerge como flores, tulipas ou flor do maracujá, que se abrem em cálices (pistilos ou estames, clitóris ou falos), entregando-se à sensualidade das formas redondas, ao orgânico das formas de flores que se metamorfoseiam em cobras, caules que se alongam e se abrem em bocas escancaradas, mandíbulas afiadas a espreitar o grafismo elegante da flor incisa e solitária capturada na gravura. Flores, caules, cobras, arames, nós, tudo ganha corpo, ora no barro, ora no papel. (…) A artista está fissurada nos contornos femininos da flor, que acalentam a possibilidade da criação.”