O vazio e a reflexão na arte

Bem Paraná

Quando Ivo Mesquita resolveu deixar vazio um andar inteiro do edifício da Fundação Bienal, no Parque Ibirapuera, parecia mais uma revolta do curador da próxima Bienal Internacional de São Paulo, do que qualquer outro tipo de ação. Entretanto, levando-se em conta o quanto Mesquita já trabalhou nas curadorias realizadas em inúmeras instituições artísticas, tanto nacionais quanto no exterior, sem falar do seu próprio e excelente desempenho nas Bienais passadas, o aparente rompante do pesquisador não deveria ser encarado como simples revolta.
  Na verdade, o vazio é não somente uma das mais importantes questões da arte contemporânea, como também o fato do curador destinar um andar inteiro para refletir sobre a situação das artes visuais na atualidade é uma das melhores alternativas que se poderia escolher.  
  Assim, o vazio de Ivo não seria um espaço inócuo e  desinteressante para o visitante percorrer – uma vez totalmente desprovido de obras de arte e mostrando as paredes nuas – mas se transformaria num lugar de onde seria possível elaborar reflexões que o contemporâneo necessita que sejam feitas urgentemente. Pois, aquele local seria preenchido com arquivos e materiais da vasta documentação que a Fundação Bienal possui, com o objetivo de serem utilizados em consultas e pesquisas concomitantes às diversas edições passadas da Bienal. E, porque não incluindo-se a atual, motivo maior para a descerramento público deste material de pesquisa? Devo esclarecer que esta documentação sempre esteve ao alcance de pesquisadores, através dos funcionários da biblioteca da Bienal, mas esta abertura que Mesquita, num certo sentido, não somente expõe, passa agora quase a se impor à reflexão dos visitantes do evento, assumindo outras e maiores proporções. Os documentos ali estão, abertos à passagem do público e à discussão, como o curador propõe. O vazio está preenchido por eles, portanto o vazio não é mais um espaço oco, sem conteúdo. E o conteúdo é muito sério, é a história das bienais, das inúmeras linguagens artísticas que por ali passaram, umas sem conseqüências, outras com muita  receptividade e repercussões. Portanto, Mesquita deseja e impõe uma parada.
  Torna-se necessário parar um pouco para pensar. A constante invasão de imagens à qual somos dia e noite submetidos, tanto nos computadores de trabalho, de diversão, de compras pela internet e de bordo dos carros, quanto nas revistas e nos jornais que também estão se tornando muito mais visuais, nos out-doors, nos celulares, na moda, e assim por diante. O zapping e zipping, que eram exclusivos da televisão depois da invenção do controle remoto, tornaram-se a realidade de hoje em todo tipo de equipamento. Sempre comento que a perda da visão seria a maior tragédia que possa ocorrer a qualquer um de nós, pois tudo hoje é visual. Experimente trocar o banco com o qual você estava acostumado a lidar e encarar a nova caixa automática. Em cada banco há sistemas diferentes de funcionamento das caixas automáticas, cada um com aspectos visuais e procedimentos às vezes completamente antagônicos, uns em relação aos outros e, o pior, sem nenhum tipo de padronização. Aliás, a única padronização que eles mantêm é o uso da moeda que, por enquanto, é o real.
  Até a música virou uma instalação, tanto auditiva quanto visual! O que mais é hoje em dia um show de música, senão uma gigantesca instalação, sendo o ponto focal o cantor principal que não tem mais condições de se apresentar sem o equipamento, som, luzes e projeções? Ele nem canta sozinho e sua voz (dublada) se soma às dos vocalistas e ao som das bandas que o acompanham.

  Imagine então, como a arte contemporânea necessita de reflexão! Se na vida normal, na qual não se exige criatividade, já é enorme a visualidade, pense sobre a arte de nossos dias! Instalações, assimetria, desarmonia, fatores da linguagem artística, tudo reunido num crisol geral.  A propósito destes temas, há que se ler o “Elogio da Desarmonia” (Livraria Martins Fontes Editora Ltda.) que Gillo Dorfles escreveu em 1986, preocupado já naquela época com estas questões da arte. 

  Para iluminar um pouco estas divagações, aqui vai um desenho do nosso artista internacional Marlon de Azambuja. Nele, pode-se ver uma analogia da situação da Bienal, sendo a vela menor o curador, insistindo em atuar sobre a bienal representada pela maior, nem que seja derretendo um pouco para sobreviver melhor!