Ao artista é requerido o domínio de três fatores básicos: o
conhecimento dos materiais, da história da arte e da aplicação ou uso
artístico destes mesmos materiais. Acrescenta-se à trilogia, o que se
chama em alemão: weltanshauung, ou concepção do mundo, filosofia de
vida, entendimento. Todos são atributos que atingem a plenitude na
artista plástica e desenhista Leila Pugnaloni.
O fato dela não pré-selecionar a linguagem em seu desenho, faz com que
ele se torne relacionado visceralmente ao momento da criação. Como a
qualidade da obra de Leila é imanente – permanente e inseparável – à
sua vida, a continuidade de seus desenhos pode ser descrita como
círculos concêntricos tendo a artista como centro e origem. Portanto,
teoricamente, a cada ângulo que ela se dirija poderá haver vertentes
infinitas. Porém, isto não acontece porque suas linguagens mantêm as
características que denotam a sua autoria e, portanto, são contidas em
número.
O que ocorre, entretanto, é que suas linguagens são sincrônicas, não no
sentido que todas elas se apresentem ao mesmo tempo. Mas sim, no
sentido figurado, em que obras de anos atrás possam ser facilmente
comparadas a outras executadas hoje em dia.
Conseqüentemente, este círculo se projeta no tempo e no espaço fazendo
com que a continuidade de seu trabalho seja quase uma espiral de fases
– composta em seus múltiplos níveis de estudos, pesquisas e linguagens
artísticas – na qual a artista se desloca de uma linguagem à outra,
avançando nas diversas instâncias dos círculos interligados. Este
deslocamento pode ser feito tranqüilamente pela artista porque os
desenhos do início de sua carreira já traziam embutidos os elementos e
muito das características que irão florescer em sua obra madura. Ela
trabalha retomando aspectos do desenho – que mesmo tendo sido
explorados em época anterior, no seu entendimento, não tiveram seu
potencial devidamente aproveitado – e surpreendentemente, dele extrai
novas variantes aplicando sua fértil criatividade. Assim, a artista
interage com sua obra, dela recebendo feedback para a continuidade de
seus desenhos. Então, Leila não utiliza cenas montadas nem
vocabulário anedótico que conta enredos. Para quem trabalha assim, como
faz a maioria dos que desenham, fica muito fácil manipular símbolos e
formas – cada dia mais reconhecidos devido ao incremento da comunicação
visual – e com eles fazer narrativas que comparo com histórias em
quadrinhos. Quanto à Leila, seu motivo não são personagens contando
historietas. Ao contrário, o seu desenho é muito difícil de ser
executado porque ela prescinde voluntariamente deste recurso. A
artista trabalhou anos, com afinco, para aperfeiçoar os procedimentos
do seu processo, de modo que o desenho – por ele mesmo – retrate sua
própria situação gráfica, independentemente de esquemas anedóticos.
Isto é algo que vários dos famosos do desenho brasileiro não fazem,
porque não conseguem separar a parte gráfica da arte do desenho da
parte anedótica do contar história. Por outro lado, não há necessidade
que a desenhista faça narrativas porque, na raiz ou em princípio, o seu
desenho não é nem seqüencial nem narrativo. Ele nasce e permanece
fundamentalmente sincrônico. Na elaboração – que só não é simultânea,
porque dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar, no mesmo tempo, no
espaço – a desenhista é extremamente rápida na concepção-desenho. Um
dos seus temas principais tem como base o próprio corpo humano,
dispensando pistas explícitas de sentimentos ou situações em que suas
figuras se encontram. É unicamente o corpo, traçado com pouquíssimos
bits de informações, que passa a sugerir, a insinuar – não a narrar –
suas diversas vicissitudes, simultaneamente, sem a preocupação de
contar historietas alheias à sua figura. Assim, o desenho depende do
olhar do observador que lhe retira o íntimo, a alma, o drama humano. É
deste modo que seu trabalho atinge o status de obra de arte, que não
precisa ser traduzida, porque seu âmago é a arte e não a informação.
Persiste, então, um grau de incerteza, de mistério, de dubiedade,
provocado pela artista, que é próprio da arte contemporânea.
No dia 11 de setembro, às 19h. haverá o lançamento dos livros “Leila
Pugnaloni – desenhos”, com texto desta colunista e “Traços de Luz – os
caminhos da arte de Leila Pugnaloni”, de Ana Barrios e Manoel Carlos
Karam. Na Megastore das Livrarias Curitiba, Shopping Estação. (Av. 7 de
Setembro 2775, Loja 1108).