O artista já nasce artista. Mais cedo ou mais tarde, mesmo que a vida seja levada a outros rumos, o anseio imposto pelo talento vai apontar diferentes caminhos. Assim, o desejo de produzir arte séria, o esforço pessoal e a total dedicação se revelam altamente propícios na nova trajetória de Antonio Temporão.
Isto não é um capricho diletante. Há anos, uma pesquisa sistemática vem sendo desenvolvida pelo artista, na leitura e análise da história da arte, principalmente, da contemporânea. Seu grande atelier apresenta uma das maiores coleções de revistas e livros desta área que já vi, todos absolutamente organizados, com muitos sinais de manuseio e anotações próprias do pesquisador que ele é.
Trabalhando com diferentes linguagens, principalmente a fotografia, na qual obtém resultados dos mais instigantes, sua obra atual me surpreendeu. É uma pintura de base construtiva, cuja qualidade advém de um intenso estudo sobre tintas e cores que o artista vem fazendo ultimamente e que ainda vai lhe dar muitos frutos.
Estão presentes um rigor e um extremo cuidado na fatura que resulta em obras límpidas, claras e, em certo sentido, racionais, porém altamente sensíveis e poéticas, nas quais o formato geométrico do suporte tem um papel preponderante. Os suportes, para Antonio, não são somente bases sobre as quais ele pinta – suas proporções são cuidadosamente calculadas para abrigar bidimensionalmente determinados tons e cores específicas.
Assim, com uma vertente fundamentada no abstrato formal, outra das suas influências inegáveis vem do expressionismo abstrato de Jackson Pollock. E mesmo aqui, o fato de Antônio trabalhar os traços em relevo de maneira mais contida – e não soltos como em Pollock – revela seu desejo de alterar a informalidade gráfica do traçado, acomodando-o, mais uma vez, sob um aspecto formal. Inclusive, em algumas pinturas, o relevo fica submetido a interferências completamente retilíneas que o cortam.
O termo abstrato formal, usado em história da arte, classifica as formas artísticas que se aproximam não só das linhas geométricas puras como das figuras e linhas – curvas, ovais, retas – estudadas pela geometria e desenvolvidas pelo artista em suas obras.
Por outro lado, Temporão também quebra o geométrico pelo uso destas mesmas linhas expressivas que são quase um dripping, sutilmente elaborado e com influências tachistas, executado no gestual contido dentro dos limites que o artista se auto impôs.
Dripping é o processo criado por Pollock em que as tintas são pingadas diretamente sobre a tela no chão, criando padrões de fluxos e respingos que estão dentro da action painting norte-americana, ou pintura resultante da ação do pintor. O nome Tachismo designa uma corrente da pintura que surgiu entre as décadas de 50 e 60, no século 20. O termo foi criado pelo crítico francês Michel Seuphor e se referia principalmente às obras dos artistas Wols, Mathieu, Hartung e Saura. Derivada da palavra francesa tache que significa mancha, o Tachismo se desenvolveu como uma pintura expressionista, emocional e abstrata, a partir do surrealismo automático. Ele foi considerado um movimento paralelo ao dripping americano, do qual se distinguia por apresentar superfícies mais demarcadas e enfatizadas impulsivamente pelo contato do pincel com a tela, ao invés dos respingos à distância como os de Pollock.
Nesta oposição paradoxal do abstrato formal versus dripping surge uma espécie de sincronicidade entre a forma geométrica do suporte, o fundo trabalhado pela profundidade e resplandecência da cor, e o traçado em relevo e brilho que se espalha pela obra.
O interessante é constatar que o artista igualmente alcança em suas pinturas uma simbiose entre os dois polos opostos da filosofia e da estética: o Aristotelismo e o Fragmentismo, sendo o primeiro definido como uma trama desenvolvida de maneira lógica e racional, e o segundo referente a cenas isoladas. Antonio faz com que suas pinturas se complementem duplamente nestes dois aspectos: na totalidade de sua produção artística e na linguagem própria de cada obra.
Postas lado a lado, elas se assemelham a uma sinfonia apresentada em continuidade, em que cada parte das composições tem referências que se cruzam, e se replicam nas outras obras. Pode ser dito que uma espécie de sinergia perpassa toda a obra, sendo que cada pintura contribui para o conjunto total com igual intensidade. A mostra “Sem limites”, de Antonio Temporão permanece aberta até 24 de novembro, no Mabu Hotel (Pr. Santos Andrade, 830 – Curitiba).