Tradição do fazer

Nilza Procopiak - nikp@uol.com.br

Estava vendo um programa da “RTPi – Rádio Televisão Portuguesa internacional” no sábado passado – às 21h, para quem quiser assistir – e fiquei mais uma vez admirada da fala do professor José Hermano Saraiva.

Na verdade, em minha opinião, este é o melhor programa que a RTPi oferece, pois o professor Saraiva, cujo conhecimento é o resultado de uma escola antiga rigorosa daquelas que hoje não mais existem, sempre está mostrando assuntos interessantes.

São temas de relevância que nos permitem um saber mais compreensivo do que e de como somos. Porque, queiramos ou não, nós, os brasileiros – mesmo os descendentes dos demais povos que vieram para cá – não podemos deixar de ser produto também da descoberta do Brasil feita pelos portugueses e, principalmente, das conseqüências da vinda de D. João VI ao nosso país.

Voltando ao professor, a sua erudição – no bom sentido –  e seu conhecimento são notáveis. Nos seus documentários, ele aborda diversos aspectos que vão desde a história geral e, especificamente, a de Portugal, além da geografia, da política, da cultura, dos costumes antigos da corte e do povo lusitano, chegando por meio desses tópicos às viagens e à promoção do turismo em seu país, uma vez que desperta nos telespectadores uma vontade imensa de conhecer os locais sobre os quais ele está falando.

Acrescente-se que tudo isso é apresentado de uma maneira vivaz, loquaz e temperada por detalhes do tipo “intrigas palacianas” próprias do seu conhecimento armazenado após anos e anos de estudo e pesquisa. Assim, dos séculos e anos passados, aparecem segredos, às vezes não tão secretos, casamentos de  amigos ou inimigos, antigas rixas que se prolongam por anos a fio, disputas, ditados, usos e costumes locais, guerras, brigas entre famílias, das quais o professor fala como se ainda ontem todos estivessem vivos.

Voltam à vida aqueles personagens que recheiam a valorosa história de Portugal, principalmente no que diz respeito à navegação – ou recheavam no meu tempo, pois me parece que hoje em dia no Brasil ninguém mais estuda a Escola de Sagres, Dom Manuel, o Venturoso, as naus portuguesas, o caminho para as Índias, o Cabo da Boa Esperança.  Mas, como sempre é tempo, talvez ao sintonizar a RTPi os adultos resgatem parte de nossa história no que diz respeito a Portugal, e as crianças possam apreciar os passeios pelas cidades históricas e vilas pacatas do interior daquele país, despertando nelas a vontade de vir a conhecê-lo.

Entretanto, nosso assunto aqui é arte, e este é este é outro tópico continuamente abordado em seu programa e mais um ponto a favor do professor. Ao mesmo tempo em que as câmeras da televisão permitem aos telespectadores um passeio pelas pinturas, esculturas, museus, bibliotecas, edifícios históricos, ele os situa estética e cronologicamente na história da arte, aprofundando nosso conhecimento.
 
No sábado,  um dos tópicos abordados foi a recuperação de escolas de artesãos de alto nível que trabalham em marchetaria, fabricando móveis inspirados em requintados modelos dos séculos passados, em fundições de peças como candelabros, enfeites, tudo que hoje em dia é feito de plástico e que ali são fabricados com técnicas antigas, na única maneira de alcançar a qualidade desejada.

Além de apontar um caminho para profissões especializadas de futuro garantido –  algo raro hoje em dia – trabalhando nos modos do passado, o que é um paradoxo, porém é a realidade, este tipo de atividade vem valorizar o conhecimento dos ofícios como um bem a ser passado de geração a geração de artífices. No mesmo local, também funciona uma escola de design que representa a importância de avançar com estes conhecimentos na procura de outras formas para aplicá-los com extremo requinte e qualidade, reunindo tradição adaptada à revolução da vida de hoje.

E, segundo o professor Saraiva, revolução e tradição seriam os dois mais importantes passos da humanidade, que faz uso destas etapas de desenvolvimento desde o início das civilizações. Ele continua, afirmando que não se poderia realizar uma das fases sem a contrapartida da outra – numa espécie de equilíbrio compensado. Assim, a cada período de mudanças radicais acontecidas ao longo da nossa história haveria, logo após, uma estabilidade proveniente da tradição. O professor comparou  este percurso aos pisos e espelhos de uma escada que representaria o avanço da civilização.

Então, cada salto devido à revolução – correspondente ao espelho na vertical do degrau – seria seguido de acomodação equivalente a cada piso. Creio que ele está certo!