
No corpo humano, a dopamina é o neurotransmissor responsável pela motivação e pela sensação de recompensa. E é essencial para o funcionamento do cérebro. Contudo, quando estimulada em excesso, pode transformar a busca pelo prazer em um ciclo de dependência difícil de quebrar. Assim, o cérebro pode se tornar refém.
“A dopamina é fundamental para o aprendizado, para a memória e para o controle dos impulsos. Mas quando o cérebro é exposto a estímulos constantes, como redes sociais, jogos, consumo exagerado de tecnologia ou até drogas, esse sistema se desregula e passa a exigir doses cada vez maiores de satisfação. O resultado é uma busca incessante que pode comprometer a saúde mental e física”, afirma o neurocirurgião Dr. Denildo Veríssimo, especialista em doenças do crânio, coluna e técnicas minimamente invasivas.
Um exemplo marcante da força do sistema de recompensa vem de um experimento clássico realizado em 1954 pelos cientistas James Olds e Peter Milner. Ratos receberam eletrodos em regiões cerebrais ligadas ao prazer e acionavam uma alavanca para obter estímulos elétricos. O resultado foi chocante: os animais ignoraram comida e água, buscando apenas a sensação provocada pela descarga. Muitos chegaram à exaustão e alguns morreram de fome.
Esse estudo pioneiro revelou como a dopamina pode assumir o controle do comportamento quando há estímulos repetidos. Isso ajuda a compreender desde vícios químicos até dependência tecnológica.
A lógica é a mesma observada em dependências químicas. Substâncias psicoativas, como álcool e drogas ilícitas, inundam o cérebro com dopamina e reforçam comportamentos compulsivos. “Quando olhamos para a forma como o cérebro reage, percebemos que a dependência digital pode provocar efeitos semelhantes. Curtidas, notificações e recompensas instantâneas acionam os mesmos circuitos cerebrais que levam ao vício em drogas. A diferença está apenas na intensidade, mas o mecanismo é o mesmo”, explica o médico.
Estudos sobre apostas online
Um crescente corpo de estudos aponta que os jogos de azar, especialmente as apostas online, sobrecarregam o sistema de recompensa do cérebro com liberação constante de dopamina, impulsionando comportamentos compulsivos. Só no Brasil, 24 milhões de brasileiros realizaram apostas online entre janeiro e agosto de 2024. .Houve movimento mensal da ordem de R$ 21 bilhões, segundo estimativa do Banco Central. Especialistas alertam que a dependência pode se instalar rapidamente, com muitos apostadores utilizando dinheiro destinado à feira de casa ou despesas essenciais. Isso leva a endividamento, isolamento e desgaste familiar, além de outras consequências terríveis.
Esse tipo de comportamento atua de forma semelhante ao vício químico, porque ativa os mesmos circuitos cerebrais vinculados ao prazer imediato e dificulta a recuperação do controle por parte da pessoa.
A longo prazo, a exposição constante a níveis elevados de dopamina pode provocar alterações significativas no funcionamento cerebral e no comportamento. Pesquisas mostram que esse excesso está ligado à perda de foco, à dificuldade em tomar decisões equilibradas e à tendência a buscar recompensas imediatas de forma compulsiva. Em situações extremas, pode desencadear sintomas graves, como mania, delírios e alucinações. Estudos recentes ainda apontam que o consumo exagerado de conteúdos digitais de curta duração gera mudanças cerebrais semelhantes às observadas em casos de alcoolismo e dependência de jogos, comprometendo memória e concentração.
Crianças e adolescentes
Nos cérebros em desenvolvimento, o risco é ainda maior. Em crianças e adolescentes, o córtex pré-frontal, responsável pelo planejamento e pelo autocontrole, não está plenamente amadurecido. A exposição precoce e repetida a estímulos digitais pode interferir na formação saudável desses circuitos, tornando-os mais vulneráveis à desatenção, à instabilidade emocional e a quadros de ansiedade e depressão. Para o Dr. Denildo Veríssimo, compreender essa diferença é essencial para orientar famílias e educadores sobre a importância de estabelecer limites no uso da tecnologia desde cedo.
De acordo com pesquisas recentes, o uso excessivo de tecnologia está associado a sintomas de ansiedade, depressão, irritabilidade e dificuldades de concentração. Além disso, a exposição prolongada à luz das telas prejudica o sono e cria um ciclo ainda mais difícil de romper.
Para o Dr. Denildo Veríssimo, o equilíbrio é a palavra-chave. “Não se trata de demonizar a dopamina. Sem ela não teríamos motivação para estudar, trabalhar ou conquistar objetivos. O problema surge quando esse prazer imediato substitui conquistas que demandam esforço, disciplina e paciência. A ciência mostra que pequenas mudanças de hábito, como limitar o tempo de tela, cuidar do sono e manter consultas regulares, já ajudam a reequilibrar o cérebro e a saúde mental”, afirma.
O médico alerta ainda para a importância de entender o impacto das escolhas no dia a dia. “O prazer da conquista é saudável e necessário. Mas quando o cérebro se acostuma apenas a estímulos rápidos e repetitivos, perde a capacidade de encontrar satisfação em experiências mais duradouras. É nesse ponto que precisamos intervir, com informação e prevenção”, conclui.