Há dois anos, a hora de dormir era um tormento na vida de Renan Duílio, hoje com 10 anos. Bastava deitar na cama e apagar a luz do quarto para todo o medo do mundo tomar conta dele. Luz mais baixa, abajur, porta aberta, nada era suficiente para acalmá-lo. “Eu ficava muito nervoso. Nem sei explicar direito o que sentia. Não conseguia mais fechar os olhos, queria minha mãe perto de mim, ficava chamando até ela vir”, conta ele. “Tinha isso desde pequeno e não passava. Ficar no escuro me deixava triste, era muito ruim sentir aquilo. “

O mal que tirava o sono de Renan, a fobia de escuro, é muito mais comum do que se imagina. Não é coisa só de menina nem de gente medrosa. Segundo especialistas, o pavor da escuridão é mais freqüente entre crianças entre 2 e 6 anos, mas pode se prolongar um pouquinho entre os maiorzinhos. “Eu não durmo sozinho, durmo com meu irmão maior, mas ele parece um tijolo dormindo, nem se mexe. Era como se estivesse sem ninguém no quarto, podia gritar que ele nem ouviria”, conta Renan. “Ficava imaginando se tinha algo debaixo da minha cama ou se algum monstro iria me pegar. Minha cabeça não parava de funcionar e eu não dormia.”

Segundo a psicóloga Maria Dirce Benedito, especialista em saúde mental pediátrica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) os pensamentos de Renan estão entre os que mais afligem quem tem medo do escuro. “Eles pensam em lobos, bruxas, monstros, bicho-papão, ladrões. Todas essas fantasias são projetadas quando fica escuro”, conta a médica. “Na escuridão você não vê nada, não há em se que apoiar, nada de concreto, então é comum que o imaginário tome conta, daí vem o medo”, continua.

“Esse sentimento não é um problema e os pais geralmente não devem se preocupar. Agora, quando a fobia ganha uma intensidade maior, a ponto de atrapalhar a vida da criança e causar sofrimento, é bom procurar um especialista.”

Foi assim com Renan. Seu medo era tão grande que as noites de sono suas e de sua família pareciam estar ameaçadas para sempre. “Fiz um tratamento com uma psicóloga e o medo foi passando”, conta ele. “No começo foi difícil, mas deu certo. Agora durmo de luz apagada, sem problema. Só não gosto de fechar a porta do quarto”, confessa o prevenido Renan, que agora encara a escuridão com tranqüilidade.

Para a doutora Maria Dirce, o mais importante é a família dar apoio à criança para ela sentir-se mais segura e livrar-se das fantasias. “Fazer brincadeiras no escuro e mostrar que o bicho-papão não existe é importante para acabar com esse problema”, indica a especialista. Ela ainda garante que, como quase tudo na vida, o medo de escuro é uma fase curta, que passa quando a gente cresce, sem deixar marcas.

Até lá, vale dormir com a luz acesa ou simplesmente pedir para alguém ficar ao seu lado até que você adormeça. Também pode pedir abrigo de vez em quando na melhor cama do mundo, a da sua mãe. Aí, não há bicho-papão que resista.

CAVERNA

O medo do escuro não chega a ser um problema para Gabriela Ramadan, de 8 anos. Até porque ela acredita que ele vem diminuindo com o passar dos anos. “Antes eu tinha mais medo. Agora só de vez em quando fico assustada”, garante.

Sua maior preocupação é ficar presa em lugar desconhecido sem luz. Situações como um elevador, um poço ou uma casa de gente estranha sem nenhuma iluminação apavoram a jovem. “Durmo no escuro e de porta fechada sempre. Até gosto, acho que a luz atrapalha na hora de dormir”, garante. “Divido o quarto com o meu irmão mais velho, o que é bom porque não me sinto sozinha. Também não acordo no meio da noite, então dificilmente fico com medo na hora de dormir. Mas sei de muitas amigas minhas que têm” continua. “Mas não gosto de pensar em lugares que não conheço em que eu fique sem luz. Imagine ficar presa numa caverna sozinha? Ainda se eu estiver com alguém conhecido, tudo bem. O problema é ficar sozinha no escuro. Só de pensar nisso fico apavorada. Mas vai ser difícil acontecer, né? Bom, tomara.”

FILMES DE TERROR

Isabela Warde Gonzales, aluna do Colégio Friburgo, na zona sul de São Paulo, não tem problemas em apagar a luz na hora de dormir. Conta que desde pequena – hoje ela tem 7 anos – dorme tranqüilamente sem luz e com a porta do quarto fechada.

Agora, basta assistir a um filme de terror ou a um com cenas mais impressionantes para a escuridão se tornar a pior inimiga de Isabela. A TV dá asas à sua imaginação na escuridão.

“Não precisa ser de terror com monstros e sangue, pode ser um filme como o ‘Código da Vinci’, por exemplo. Assisti lá em casa à noite e fiquei muito assustada. Fiquei pensando nele e não queria entrar em nenhum lugar escuro depois. Tive de pedir para alguém ir comigo até meu quarto e acender a luz”, conta Isabela. “Toda vez que assisto a um filme desses à noite pode ter certeza que não entro no escuro sozinha. É melhor assistir de dia. Aí não fico pensando…”

Quando sente muito medo, Isabela pede para dormir na cama da mãe Mas é só de vez em quando, ela garante. “Antes eu tinha medo quando acabava a luz lá em casa, mas agora não tenho mais. Minha mãe pega uma vela ou uma lanterna e a gente fica brincando até a luz voltar”, conta a estudante. “Vira maior folia, nem me lembro que está escuro.”

DICAS PARA ENFRENTAR O MEDO E DORMIR MELHOR

– Ter um abajur no quarto ajuda na hora de enfrentar a escuridão.

– Dormir com a TV ligada não é muito bom, mas alivia o medo. Veja algo divertido e peça para alguém desligar depois que você dormir.

– Colar pelo quarto adesivos que acendem no escuro também é uma boa dica. É bem divertido.

– Pense que o escuro é apenas ausência de luz. Basta clicar num botão que tudo volta a aparecer.

– A noite é escura e por isso mesmo é linda. Se fosse clara, você não veria tão bem a lua e as estrelas. Pense nisso, o escuro também pode ser legal.