Para eles, os melhores enigmas científicos estão nas panelas há quem diga que tal culinária nem existe. Mas ela segue na missão de confirmar ou destruir velhos mitos do fogão.
Há quem diga que isso não existe. Afinal, toda comida é composta por moléculas. E há quem considere a simples idéia da entrada da ciência na cozinha repugnante. Indiferente a essas opiniões, a cozinha molecular insiste em existir e acaba de completar 20 anos.
A palavra apareceu pela primeira vez num texto de Nicolas Kurti, o físico húngaro que fundou os seminários de Erice, reunião anual de interessados nas conexões de comida com o laboratório, que aconteceram até 2001 nessa localidade siciliana, perdendo o vigor com a morte de Kurti e a aparição de centros de pesquisa paralelos como o Alicia, a fundação criada por Ferran Adrià perto de Barcelona e que passou a centralizar as investigações na área. Erice terminou com sua tarefa realizada, estimulando a troca de informações entre laboratório e cozinha.
Se o local para o estabelecimento da Gastronomia Molecular como disciplina foi o sul da Itália, a sua prática já existia como um saber simultâneo. Vários cientistas e cozinheiros pesquisavam a sério o que acontecia na transformação físico-química dos alimentos levados ao fogão, sem, entretanto, nomear a própria atividade.
Kurti batizou e This e Pierre Gagnaire popularizaram, numa colaboração em que o cientista dá o tema e o chef estrelado cria receitas, ou no caminho inverso, o cozinheiro desfila os problemas para que a ciência procure explicações e soluções. A cada mês Gagnaire publica no site de seu restaurante o resultado, uma receita fruto da provocação do cientista e com todo o processo físico-químico explicado.
O bolo de aniversário molecular merece o sopro nas velinhas; afinal foram duas décadas com muito para oferecer. Tudo aquilo que Brillat-Savarin intuíra em sua obra famosa, “A Fisiologia do Gosto”, pôde finalmente passar pelo teste científico, com a surpresa de que muitas das construções quase poéticas do francês terem sido de fato comprovadas como verdadeiras. Hervé This pretende ser o continuador do trabalho de Savarin, tendo publicado “Por uma nova fisiologia do gosto”.
Se o avanço de compreensão dos processos culinários ajuda todo mundo, pois ninguém é contra entender o que acontece quando cozinhamos, as críticas aos resultados são muitas. This é acusado de ser showman demais, de banalizar demais a ciência e de não ir muito além de ovos feitos no microondas e uma maionese sem ovo. Os mais maldosos dizem que Gagnaire cozinhava melhor antes da parceria. E Ferran Adrià, que deveria ser um dos maiores entusiastas da cozinha molecular, desdenha o termo como reducionista, dizendo que a cozinha é mais ampla, embora ressalte a mudança definitiva operada pela ciência no âmbito das panelas.
Para o chef mais famoso do mundo, a cozinha que pratica não é fruto da investigação científica, faz uso da tecnologia sem estar dominado por ela. Paciente e bem-humorado, This não tem problema em repetir sua explicação: não vamos comer química, queremos só entender o que se passa nos processos culinários para torná-los mais eficazes. Ele é um combatente contra as perdas energéticas, contra os gestos inúteis que repetimos apenas por tradição. Não pode ver uma verdade estabelecida sem checá-la. E nem hesita em descartar o que é bobagem, caçador dos mitos perpetuados sem verificação.