No alto, o Teatro Amazonas, rodeado por fachadas restauradas, o bonde estacionado alguns metros abaixo, o Palácio da Justiça surgindo atrás da paisagem – cada passo pelo Largo São Sebastião quer transportar o visitante para uma outra Manaus, a rica capital de um outro tempo. Ali perto, porém, os contrastes não são poucos: palafitas, ruas maltratadas prédios à espera de restauro. Mas é exatamente na união desses mundos que está o fascínio de Manaus, no coração da Amazônia.
O “outro tempo” da capital são as primeiras décadas do século 20 quando a exportação da borracha levou dinheiro e progresso à região. São dessa época os principais prédios públicos, marcos da arquitetura da cidade, em estilo art nouveau e neoclássico. Foi uma era de luxo, com material de construção importado da Europa, em alguns casos combinado às madeiras locais – que, pequeno detalhe, eram extraídas da floresta, enviadas à Europa para serem tratadas e trabalhadas e, só então, trazidas de volta.
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Tudo ia bem, até que a concorrência dos seringais da Malásia começou a debilitar a produção manauara. Por volta dos anos 50, a cidade passou a clamar por nova atividade econômica. Como resposta, em 1967, o governo brasileiro criou a Zona Franca, solução para o desenvolvimento regional, a que se seguiria o Pólo Industrial de Manaus, com centenas de fábricas.
A cidade viveria, assim, sua própria revolução industrial. Passando do extrativismo à era da indústria, não fica difícil entender o crescimento desordenado. E é por isso que caminhar por Manaus é um encontro com a história da cidade e com seus contrastes.
Uma boa sugestão é começar a visita pelo Largo São Sebastião. Ali, além das grandes árvores, do passeio público marcado pelas casas restauradas e do bondinho, você encontra a Igreja de São Sebastião, de 1888. Um parênteses: outra igreja essencial é a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, a primeira de Manaus, erguida em 1695 e reformada em 1878, após um incêndio.
O viajante não pode deixar de conhecer o Palácio da Justiça, atrás do Teatro Amazonas. Em estilo neoclássico, o prédio inaugurado em 1900 lembra muitas das construções do segundo império brasileiro.
Seguindo pela rua do palácio, você chega ao Mercado Municipal Adolfo Lisboa, que está sendo restaurado – a revitalização dos cartões-postais está entre as prioridades das últimas gestões. O mercado é uma réplica do Les Halles, em Paris. Lá é possível encontrar de tudo, desde peixes, ervas e artesanato a robôs de brinquedo, relógios e todo tipo de quinquilharia eletrônica. Na região, você vê, ainda, o prédio da Alfândega, de 1906.
Visitar o porto é uma experiência antropológica, graças ao movimento intenso e ao vaivém de moradores das principais comunidades que vivem na margem do rio. Na região também está o Centro de Artes Chaminé, erguido pelos ingleses no início do século 20. O local servia de centro de tratamento de esgoto até virar, pouco tempo atrás, espaço cultural, com palestras, cursos e exposições.
Na lista de prédios históricos fica faltando apenas um: o Palácio Rio Negro, antiga sede do governo estadual, que também virou centro cultural. O espaço abriga interessante acervo ligado à região e resume a história política do Estado.
Uma última parada em Manaus é a Ponta Negra, braço da cidade que se precipita rio adentro. Nos últimos anos, a região começou a ser muito explorada pelo mercado imobiliário, uma espécie de Barra da Tijuca amazonense.
A Estrada da Ponta Negra tem, de um lado, o zoológico da cidade e, de outro, o Rio Negro, que, como um mar, se perde no horizonte e pode ser observado de uma estreita praia, que costuma ferver no fim de semana. Ali, há quiosques e restaurantes improvisados, que servem peixes e iguarias da região.
Grande encontro
Da Ponta Negra também costumam sair os passeios pelo rio. O mais rápido – e obrigatório – é o Encontro das Águas. De barco, o visitante vai até o ponto em que é possível observar o colorido casamento dos Rios Negro e Solimões.
Outros passeios incluem os hotéis de selva (olha o espírito desbravador aí de novo…) e uma pequena ilha, duas horas rio acima, em que atores encenam o funcionamento de um engenho de borracha.
A lendária (ou não) rivalidade entre capitais
Nas ruas, o que se ouve é que tal rivalidade não existe. Qualquer manauara vai dizer a você que essa história de rixa com Belém não passa de bobagem. Afinal, garantem, não há como comparar: Manaus sempre foi e continuará sendo a grande cidade do Norte do País. Não estranhe, porém, se você ouvir algo parecido em Belém. Afinal, não há como comparar: a capital paraense sempre foi e continuará sendo a grande cidade do Norte do País.
Embora inconfessada, a rivalidade Manaus-Belém existe e tem raízes antigas, no século 19, quando as cidades brigavam pelo posto de Paris dos Trópicos, de Europa Equatorial, entre outros motivos.
Mais de um século se passou, mas a disputa continua. Aparece nos números do Produto Interno Bruto (PIB), na quantidade de habitantes – nos anos 70, Belém tinha o dobro de Manaus, mas a capital amazonense apresenta crescimento anual maior.
E aparece também nas ruas. Converse com qualquer taxista de Manaus e ele vai dizer que muitos belenenses mudaram-se para lá, roubando empregos dos locais. Encontre um taxista em Belém e a conversa é um pouquinho diferente, mas nem tanto: “Eles vêm para cá, a gente recebe bem, sabe? Mas eles lá não gostam da gente, não. Deve ser algum complexo, não sei.”
Até nos palcos a rivalidade persiste. O Festival de Ópera de Manaus surgiu no fim dos anos 90. Em 2001, Belém criou um evento do gênero. Nas falas oficiais, loas vêm e vão dos dois lados, exaltando iniciativas de recuperar a história dos teatros das cidades, se congratulando por projetos que mudaram o cenário da ópera no Brasil. Nos bastidores, porém, não são poucos os que comparam números de ingressos vendidos, quantidade de produções, artistas convidados, repertório escolhido…