Difícil resistir. A goiabada cascão suave e os doces cristalizados de Xêra, o doce de leite com abóbora ou abacaxi, pêra em calda de vinho tinto, geléia de cagaita de Ronaldo, a mangaba preparada por Luzinha… Bem-vindos à Cordisburgo de João Guimarães Rosa.

Em Cordisburgo, cidade natal do mineiro João Guimarães Rosa, não tem pamonhinha de goiabada, invenção de Nhinhinha, protagonista do conto “A Menina de Lá”, de Primeiras Estórias. Mas ali, como nos livros, é possível provar o famoso doce de mangaba – um dos preferidos do escritor e de seu personagem Riobaldo -, uma deliciosa goiabada cascão e variações sobre o pequi, citado com freqüência na obra Roseana.

A responsável pelo doce de mangaba é conhecida como Luzinha e aprendeu a receita com “uma dona, muito amiga, sabe?” Feito com apenas dois ingredientes, a mangaba e o açúcar, o doce de Maria da Luz Viana demora cerca de uma semana para ficar pronto. “Você precisa escolher mangabas médias porque as pequenas dão leite demais e as grandes, de menos”, ensina. “A fruta tem que ficar na água dias e só depois é cozida. Dá um trabalho danado.”

Não muito longe de Luzinha vive Maristela Correa da Cruz Ferreira, a Xêra, dona da goiabada. Antes de cativar fanáticos por doces com seus quitutes, ela trabalhava em uma fábrica de tecidos no centro de Cordisburgo. “Minhas colegas gostavam e, quando a fábrica fechou, a solução foi começar a vender”, diz ela. Além da goiabada-cascão, suave, sem aquela casca endurecida demais, na casa de Xêra o mamão, o figo e a laranja ganham atraentes versões cristalizadas.

A doceira recebe uma média diária de 15 encomendas entre 5kg e 15 kg cada, pedidos que vêm de Belo Horizonte, São Paulo e do Rio de Janeiro, mas também da própria cidade. Ela fez 100 kg de guloseimas para a recente festa religiosa de Nossa Senhora do Rosário, que reúne uma multidão todo fim de ano em Cordisburgo – incluindo d. Xêra, o marido e os filhos.

Doce de leite com…

Ronaldo Fagundes do Nascimento também é uma prova de que os encantos da “pequenina terra sertaneja” de Joãozito não estão só nas páginas do clássico “Grande Sertão: Veredas” nem na formosa Gruta do Maquiné. “Vivo de doce há 18 anos”, afirma, orgulhoso, mostrando seu primeiro tacho. Ele administra seu ponto com a ajuda da mulher, Arlete, e da filha, Ana Laura, na gruta, a poucos quilômetros de Cordisburgo.

Na vendinha, chamam a atenção as dezenas de potes coloridos nas prateleiras.”Faço doce de leite com abóbora, com abacaxi, morango com chocolate, pêra em calda de vinho tinto, pequi em pasta, geléia de cagaita…” O doce de leite, o mais procurado, é feito com uma baixa porcentagem de açúcar, que varia de acordo com a consistência sazonal do leite.

Para elaborar as (gostosas) misturebas, Ronaldo aprendeu receitas de tradicionais doces mineiros com as senhoras de Cordisburgo, fez cursos de técnica de produção de alimentos e viajou o Estado em busca de doces famosos. “Ouvi falar que em Araxá faziam a melhor queijadinha, e fui atrás. Fiz o mesmo quando soube de um doce de leite com queijo de Mateus Leme. Rodei Minas “, revela. “Nós trocamos receitas, ninguém dá nada de graça. Um dia, me ligaram pedindo a da minha cocada. Eu posso até falar, mas quero uma em troca”. Para a reportagem, ele abriu uma exceção e contou um de seus segredos: com vocês, o Tropical.

“No meio de Minas Gerais”

Situada a nordeste de Belo Horizonte – ou, como definiu Guimarães Rosa em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL), “no meio de Minas Gerais” – Cordisburgo (o nome significa cidade do coração) faz mais do que bons doces artesanais, feitos em sua maioria com banana, mamão, goiaba e frutas típicas da região, como a cagaita, a mangaba, o araticum e o pequi. São produzidos, no município e nos arredores milho, feijão, abóbora, cachaça, leite, polvilho, queijos e carnes (suína, bovina e frango). “A gente diz que aqui em Cordisburgo o povo é igual onça por carne”, brinca o comerciante José Oswaldo dos Santos, o Brasinha, figura bastante conhecida na cidade. “O feijão tropeiro, citado por Guimarães Rosa nos livros, você acha em todos os bares e em todas as casas”, conta ele, fã do escritor. O pequi, que muita gente pode achar que serve só para fazer doce, é usado, no centro de Minas, para temperar o arroz, dar um gostinho ao licor e fazer até óleo de cozinha, explica Brasinha. Já o café, apesar de ser cultivado em solos de cerrado, não é produzido em grande escala nas imediações de Cordisburgo. A cidade tem cerca de 8.500 habitantes e está a 120 quilômetros de Belo Horizonte.