Parte da cultura indiana está sendo apresentada ao público pela novela “Caminho das Índias”, da Globo. Há, no entanto, um lado mais obscuro que a sociedade indiana prefere esconder: o preconceito contra os gays.

Isso até o príncipe Manvendra Singh Gohil, de 43 anos, anunciar que vem ao Brasil para participar da Parada Gay, em junho deste ano. Descendente de uma dinastia de mais de 600 anos e parte da família real que governou por séculos o lugar onde hoje fica o estado de Gujarat, no oeste da Índia, o príncipe vem ao País a convite de Douglas Drummond, do Casarão Brasil.

Por telefone, o príncipe conversou com a reportagem, de seu palácio vitoriano cor-de-rosa, na cidade de Rajpipla. “Muitos me chamam de ‘Pink Prince’ por eu morar neste palácio. Mas ele já tinha essa cor antes de eu me assumir gay”, diz. “Na Índia é impossível acontecer uma passeata como a de vocês. Se fizermos algo assim, somos presos”, completa. Manvendra resolveu vir ao País para divulgar seu trabalho social e conhecer o ativismo gay brasileiro.

Por volta do ano 2000, alguns anos depois de se separar de sua mulher (com quem foi obrigado a se casar, seguindo as tradições indianas), ele fundou a Lakshya Trust, uma ONG bancada com cerca de 65% dos rendimentos de Manvendra, dedicada a prevenir a Aids no país. “Quando conheci a comunidade gay de Bombaim, vi que eles tinham muitos problemas e estavam abandonados.”

Mas Manvendra só foi sair do armário em 2006. E, então, foi deserdado pelos pais, o Marajá Shri Raghubir Rajendrasinghji Sahib e Maharani Rukmani Devi Sahiba.

No ano passado, uma entrevista que ele concedeu à apresentadora americana Oprah Winfrey causou uma impressão tão boa na Índia que seus pais voltaram atrás na decisão de deserdá-lo. “Na minha cidade, as pessoas me aceitam melhor. Mas não é assim no país todo.”

Após a independência da Índia, em 1947, as famílias reais perderam seus privilégios. A situação ficou ainda pior depois de 1971, quando a primeira-ministra Indira Gandhi restringiu ainda mais os privilégios da realeza.

“Nasci em berço de ouro. A primeira vez que atravessei a rua sozinho foi com 15 anos.” Hoje, o papel dos príncipes e reis é apenas protocolar. A família de Manvendra já chegou a ter 11 palácios. Depois de vender alguns e transformar outros em hotéis, atualmente possuem ‘apenas’ três palácios.

“Tenho uma posição na sociedade. Por isso, quero aos poucos tentar reverter o quadro de discriminação no meu país”, diz. “Na Índia, é crime dois homens terem relações sexuais e essa lei entrou em vigor durante o domínio inglês. O livro do Kama Sutra, que é parte da nossa cultura, escrito bem antes de Jesus Cristo nascer, já apresentava posições sexuais entre dois homens. Na nossa mitologia, por exemplo, temos deuses gays e lésbicas. Não tem sentido essa lei continuar, já que na Inglaterra a lei é mais branda e eles respeitam os gays, como, por exemplo, é o caso do Elton John, que ostenta o título de Sir”, justifica.

Ele diz que muitos indianos gays são infelizes, porque são obrigados a se casar. “Há, inclusive, muitos gays enrustidos dentro das famílias reais que não se assumem. Deles, eu recebi apoio para continuar meus trabalhos sociais. Esses reis e rainhas gays, inclusive, falaram com meus pais para não me discriminarem. No nosso país, infelizmente, ainda é um tabu, um estigma e uma vergonha.”

Manvendra enfrenta ainda outro problema. Como é príncipe, ele diz que dificilmente consegue se relacionar com outra pessoa. “Amor verdadeiro é um desafio. As pessoas dizem que me amam, mas elas amam meu status. Só vou achar meu amor fora do país”, desabafa.

Como é o primeiro na hierarquia, ele ainda precisa resolver a questão do herdeiro: planeja adotar uma criação. “Mas não será um recém-nascido. Vou adotar alguém já crescido e com isso quero abrir os olhos da Índia para os menores abandonados.”