Saiba o que é uma família de alta performance

Confira a entrevista com o psiquiatra Içami Tiba

Agência Estado

“Família de Alta Performance” é o título do novo livro do psiquiatra Içami Tiba. Em entrevista exclusiva, concedida na última quarta-feira, dia 20, ele ensina a melhorar a vida doméstica.

– O que é alta performance familiar?

– É uma família que tem qualidade de vida, a melhor que pode, com duas condições básicas: todos os familiares têm de fazer o melhor possível e pensar o melhor possível. Não tem um modelo. O que existe é uma prática.

– No livro, o senhor argumenta que os pais do filho único correm o risco de criar um tirano, comprometendo a performance familiar Por quê?

– Há gente que não deixa o filho único se desenvolver o quanto poderia. Em geral, uma criança que é sempre satisfeita não realiza coisas, ela gasta energia em procurar quem o faça para ela. Esse tirano é construído, não nasce pronto. Tirania é uma incompetência administrativa: a pessoa impõe porque não consegue estimular que o outro faça aquilo que ela quer. Um líder, ao contrário do chefe tirânico, sabe conduzir o outro. É por isso que eu falo em família como equipe e tendo não um chefe de família, mas sim um líder de família.

– Como se tornar um líder de família?

– Não é tão difícil porque os pais fazem isso no mundo corporativo. No trabalho eles usam todos os avanços para gerenciar conflitos, mas em casa submetem-se aos caprichos do filho como se nada disso tivesse relação. No livro eu falo em migração do conhecimento, desse conhecimento universal. Há pessoas da área financeira que foram parar em ONGs e ganharam prêmios em administração. Gente de ONG tem boa vontade, mas geralmente não tem competência administrativa. O que eu falo tem a ver com a aplicação do conhecimento pré-existente, do mundo executivo, em casa.

– Esses pais executivos não estariam submissos demais para compensar uma ausência perante o filho?

– Pode ser que sim, mas existe uma revolução silenciosa, que já começou na geração dos pais, que está no centro da questão: dar poder a quem não tem competência – entenda-se filhos e crianças – abrindo mão da própria autoridade de educador. Percebo pessoas de sucesso no mundo corporativo apanhando de um filho de dois anos em casa. Gente que não dorme, que briga com a mulher. E todos acham que já fazem o melhor possível. Para a alta performance é preciso entender que a família tem um equilíbrio dinâmico em que uma pessoa interfere nas outras.

– É mais difícil ser de alta performance hoje do que no passado?

– Está mais difícil. Há dez anos a geração levava mais tempo para se demarcar como geração; agora é como se em apenas cinco anos já existissem diferentes gerações. Se a pessoa for muito aberta, for assimilando as mudanças sem ser assimilada pelas mudanças, fica mais fácil. Ela também não pode ser rígida na ideia que já tem sobre as coisas. A família de alta performance tem muito a ver com a sequência do livro “Quem Ama Educa – Formando Cidadãos Éticos”. A família não tem noção de que é dela a responsabilidade de criar valores. Acham que se o núcleo estiver satisfeito, já está bom. E não está. O conceito de cidadania, hoje, é universal, mais amplo. Já não serve você cuidar da sua casa, da sua cidade, você tem de cuidar do Planeta Ficou mais difícil, portanto. Atualmente, você tem de levar muito mais em consideração o que faz.

– Essa noção de ética planetária tem relação direta com o conceito de sustentabilidade. Podemos pensar em uma ‘família sustentável’?

– Falo de sustentabilidade até na educação. Se a gente cria um filho de modo que ele não vá se sustentar, estamos falhando na sustentabilidade familiar. Nós temos a cultura do aproveitar-se da situação. A pessoa pode começar a mudar isso se pensar que ao desviar uma verba muita gente vai se dar mal. Veja o exemplo dos professores. Quando a Marta (Suplicy, ex-prefeita)deu uma licença-saúde de dois dias por mês todo mundo usou, mesmo sem estar doente. O professor faz o mínimo para não ser despedido, o aluno faz o mínimo para não ser reprovado, o patrão paga o mínimo para segurar o empregado. Como seremos um Brasil de alta performance fazendo o mínimo?

– No livro, o senhor diz que até o bebê pode conhecer a ética. Como?

– É muito comum o pai não estabelecer padrões normativos para um bebê e submeter-se ao ritmo da criança como se fosse aquilo fosse o crescimento natural da planta ou animal. Temos de orquestrar isso. Na medida em que o bebê começa a fazer coisas, é preciso estabelecer regras do que pode e do que não pode. Se não estabelece uma regra de fora para dentro, ele estabelecerá uma regra de dentro para dentro. Se ninguém se pronuncia, ele acha que pode tudo. Corrigir isso dá muito mais trabalho do que já aprender certo.

– Qual é o segredo para ter alta performance na vida a dois ?

– O casal, se não tiver uma saúde relacional, não vai comportar a chegada de filhos. Se a mulher esquece do marido ao engravidar, o homem começa a não aceitar o filho e talvez até vá embora. É como a gente explica porque tantos casais, que se davam bem quando namoravam , quando têm filhos separam-se. Às vezes, em vez de ter um relacionamento de casal, o homem age como filho da parceira e aí, quando vem o filho de verdade, vai haver um confronto porque esse homem já está no papel de filho. Nasce um bebê mas não nasce uma família porque o pai não está pronto.

– O bom namoro, portanto, não garante o sucesso da futura família?

– Há certos fantasmas adormecidos dentro da gente, a pessoa pode ter algum problema em relação à família que não aparecia quando era sozinha. Cada fase da vida solicita algumas áreas da pessoa. As áreas solicitadas no casamento, por exemplo, podem faltar a quem é um excelente ‘ficante’. Um ‘ficante’ é consumidor de relacionamento, não é mantenedor de relacionamento.

– O homem, ao se tornar mais participativo, tem melhorado sua performance de pai?

– O problema é que mãe conta com o companheiro sempre como complementar. Quando o filho não quer dormir, a mãe fala: ‘me ajuda’. Ela não diz: ‘faça a criança dormir’. O homem parece estar ali só para ajudar a mulher. Se ela diz ‘faça alguma coisa’, ele fica paralisado porque está acostumado a fazer o que ela fala e não a desenvolver o seu papel de pai para avaliar a situação e agir do melhor modo possível. Em uma família de alta performance o homem tem de sair desse machismo para perceber que é tão importante quanto a mulher, mas à maneira dele. E a mãe deve entender que, quando fica horrorizada porque o pai joga o bebê para o alto para fazê-lo rir, ela acaba podando esse homem.

– O papel do homem dentro da família tem mudado?

– O pai está se humanizando, mas ele ainda precisa lutar contra uma coisa dentro dele: o conceito machista. Ser pai, nesse machismo, é usar e abusar das características da testosterona, que são: paciência curta, voz grossa e mão pesada. E não se educa batendo, gritando. Tenho observado nesses 40 anos em que lido com famílias uma mudança progressiva nos homens. Já acompanhei homens que distribuíam charutos do lado de fora da sala do parto, esse era o único trabalho deles. Depois, presenciei eles desmaiando nas salas de parto. Agora, estão mais participativos, acompanham a gravidez, vão com a mulher cuidar dos filhos e conversam com algo que não enxergam: o feto.

– Como ter uma alta performance sem formar família?

– É preciso ter valores internos, eles funcionam como uma das pernas enquanto a outra perna vai mudando de fase. Nós nos apoiamos nesses valores para manter o equilíbrio. Isso depende em primeiro lugar da saúde e da qualidade do sono. Deixamos o sono para segundo plano, dormimos quando dá. Isso é péssimo porque o sono, além de repor, compõe. O sistema de vigília, principalmente o do homem, produz cortisol, que é estressante, prepara para a luta, envelhece. Ao dormir, porém, o cérebro produz melatonina, que é antioxidante, antienvelhecimento. Nós lidamos muito mal com o próprio organismo. Saúde não é só a não-doença, ela depende da manutenção do bem-estar.