A catarata é a doença ocular que mais cresce no Brasil e no mundo — e as mulheres são as mais afetadas, com incidência cerca de 30% maior. Trata-se da opacificação do cristalino, geralmente provocada pelo envelhecimento natural. Mas o que muitos não sabem é que adiar a cirurgia para correção do problema pode ter consequências que vão além da visão. Segundo o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, diretor executivo do Instituto Penido Burnier, a demora no tratamento pode desencadear a síndrome metabólica, condição associada a sérios riscos como infarto e AVC (Acidente Vascular Cerebral).
A síndrome metabólica é silenciosa e se caracteriza pela presença de pelo menos três das seguintes alterações:
- Hipertensão arterial (acima de 13/8 mmHg)
- Acúmulo de gordura abdominal
- Triglicerídeos acima de 150 mg/dL
- Glicemia superior a 100 mg/dL ou diagnóstico de diabetes
- Colesterol HDL abaixo de 40 mg/dL em homens e 50 mg/dL em mulheres
Um estudo publicado no JAMA Ophthalmology, conduzido por pesquisadores da Nara Medical School (Japão), reforça a relação entre a catarata e a saúde sistêmica. A pesquisa analisou 169 pacientes com catarata, sem outras doenças oculares. Metade dos participantes passou pela cirurgia e a outra parte formou o grupo controle. Durante três meses, todos tiveram a urina analisada diariamente para medir os níveis de melatonina.
O resultado foi claro: os pacientes operados apresentaram níveis mais altos de melatonina, o hormônio que induz o sono. A explicação é que, após a remoção da catarata, a entrada de luz nos olhos aumenta, estimulando a produção do hormônio e restabelecendo o ciclo circadiano — o “relógio biológico” que regula nossas funções ao longo do dia.
“Com o cristalino opaco, a produção de melatonina diminui e os idosos perdem o sono. Essa deficiência prejudica diversas funções do organismo, aumentando o risco de síndrome metabólica”, explica Queiroz Neto, que é membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e da American Society of Cataract and Refractive Surgery (ASCRS).
Um efeito cascata no corpo
A melatonina atua além do sono: tem efeito antioxidante, ajuda a regular o humor e interfere diretamente na produção de cortisol, adrenalina e insulina. Quando sua produção é comprometida, o desequilíbrio hormonal pode desencadear ganho de peso, colesterol alto, diabetes e distúrbios cardiovasculares.
Segundo o especialista, o excesso de cortisol — conhecido como “hormônio do estresse” — está ligado ao aumento da pressão arterial, à aceleração dos batimentos cardíacos e ao risco elevado de AVC. Já a adrenalina em excesso também compromete o coração e pode afetar os vasos da retina e os rins. A deficiência de insulina, por sua vez, pode causar ou agravar o diabetes.
Queiroz Neto destaca que, mesmo com a glicemia controlada, o diabetes pode causar retinopatia diabética, uma das principais causas de cegueira no mundo. “Se diagnosticada precocemente, é possível evitar a perda de visão com tratamentos a laser e injeções. Por isso, todo diabético deve consultar o oftalmologista ao menos uma vez por ano — ou em intervalos menores, conforme indicação médica”, reforça.
Cirurgia segura e rápida
O oftalmologista ressalta que a cirurgia de catarata é um procedimento simples, feito com anestesia local, indolor e com recuperação rápida. Primeiro, um olho é operado; depois de uma semana, o outro. O uso correto dos colírios no pós-operatório é essencial para a recuperação.
“Pacientes relatam melhora imediata no humor e no sono após operar o primeiro olho. As cores ficam mais vivas, a qualidade de vida melhora, e os níveis hormonais tendem a se reequilibrar”, comenta Queiroz Neto.
Prevenir é enxergar além
A recomendação do especialista é clara: não adie a cirurgia. Evitar o procedimento pode significar muito mais do que manter a visão embaçada — pode comprometer todo o funcionamento do organismo. Além disso, consultas oftalmológicas de rotina ajudam a detectar precocemente não só doenças oculares, mas também sinais de distúrbios sistêmicos como hipertensão e diabetes.
“Prevenir é melhor que remediar. Cuidar da visão é cuidar da saúde como um todo”, conclui Queiroz Neto.