Entramos em mais um Outubro Rosa, mês dedicado ao combate e a detecção precoce do câncer de mama, — um dos tipos que mais afeta mulheres no Brasil e no mundo, ficando atrás apenas do câncer de pele não melanoma. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estimou que, entre os anos de 2022 e 2025, os novos casos no país devem ultrapassar 73 mil. Um dos principais exames de identificação é a mamografia, indicada para mulheres a partir dos 40 anos. No entanto, o número de casos registrados em mulheres com menos de 35 anos aumentou 14,8% em uma década (2009 a 2022), segundo o INCA.
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Helena Colino, hoje com 26 anos, é uma das jovens que recebeu o diagnóstico de câncer de mama de forma precoce, aos 23, enquanto ainda acompanhava sua mãe no tratamento da mesma doença. Em 2023, Helena recebeu da mastologista a orientação de realizar exames, já que o painel genético da mãe havia confirmado uma mutação (BRCA2) associada ao surgimento do câncer. Helena conta que a ecografia identificou alguns cistos, mas isso não a preocupou. No final daquele ano, no entanto, ela realizou uma ressonância magnética e o resultado foi um tumor de 5 cm na mama esquerda.
“Estávamos juntando força pra comemorar e para dar um grito de ‘acabou’ [o tratamento da mãe], mas descobrimos que ainda não tinha acabado, pois eu também estava com o diagnóstico e íamos ter que passar por todo o processo de novo, agora eu sendo paciente, não cuidadora”, conta Helena. Em 17 de janeiro de 2024, Letícia Colino, mãe de Helena, fazia sua última radioterapia e, no dia seguinte, a filha iniciava a quimioterapia.
“Eu não quis tocar o sino lá no Erasto (ao final do tratamento oncológico, os pacientes tocam um sino para simbolizar a cura em um hospital referência em Curitiba – PR), porque não fazia sentido nenhum para mim. Eu falei: ‘vou esperar minha filha concluir o tratamento e vou tocar o sino junto com ela’. Então só considerei encerrado o meu processo quando ela também finalizou o dela, pois antes disso não fazia sentido”, afirma Letícia. O tratamento de ambas durou dois anos.
Câncer de mama: mulheres abaixo dos 40 anos devem se atentar aos sinais de alerta
Letícia apresentou diversos sintomas, como cansaço constante, até perceber os nódulos durante o autoexame. Já Helena, só descobriu meses depois que o mamilo invertido era, na verdade, um sinal de alerta: o tumor já havia comprometido o ducto mamário e provocava o recuo do mamilo. “Nós temos percebido um aumento crescente dos casos de câncer de mama em mulheres jovens abaixo dos 40 anos, cerca de 10% a 15% dos casos. Nesta população, não temos um exame de rastreamento ou uma recomendação formal de se fazer mamografia, por isso é importante conhecer os sinais de alerta”, explica Aline Cristine Vieira, oncologista do Instituto de Oncologia do Paraná e do Hospital São Marcelino Champagnat.
Entre os sinais de alerta, a especialista destaca o surgimento de nódulos ou caroços na mama ou axila; alteração na textura da pele, que às vezes a pele começa a ficar mais avermelhada ou com algumas características parecidas com casca de laranja; pequenas retrações na pele da mama, como se tivesse uma cicatriz puxando a mama e a saída de secreção pelo mamilo, principalmente uma secreção clarinha e cristalina ou até sanguinolenta.
Apesar dos diversos sintomas e alertas, o câncer é uma doença silenciosa, assim como foi para Helena. “Eu não tive dor, não tive nada. Então, foi muito difícil assimilar mesmo, porque eu achava que eu sabia o que falavam. Câncer é uma doença silenciosa, mas eu não imaginava que era tanto ao ponto de você não sentir nada mesmo”, conta.
Quando descobriu o tumor, ele estava no estágio 3 e com um prognóstico de cura, mas que se demorasse alguns meses, a doença poderia ter avançado e o tratamento ter sido paliativo. A oncologista explica que a maior dificuldade no diagnóstico em jovens é a ausência de exames de rastreamento bem estabelecidos. Além disso, muitas acreditam que, por conta da idade, não correm risco. Em mulheres mais novas, o diagnóstico de câncer de mama tende a ser mais agressivo e ter um comportamento desafiador.
O autoexame, apesar de não substituir exames de imagem e avaliação médica, é um grande aliado e ferramenta de reconhecimento. “Você conhecer as suas mamas ajuda a perceber alguma alteração que não estava antes e até um possível diagnóstico precoce, que permite, justamente, um tratamento no estágio mais inicial, possibilitando tratamentos menos agressivos e com maiores chances de cura”, afirma Aline.
Diagnóstico molecular pode identificar mutações em biomarcadores
Além dos exames e painéis genéticos, que identificam possíveis mutações ou tendência ao surgimento de possíveis cânceres, há exames mais específicos, que possibilitam a personalização do tratamento e até indicam medidas redutoras de risco. “Nos últimos anos, vivemos uma grande revolução no tratamento oncológico, inclusive no câncer de mama, isso pela identificação de drivers moleculares. Para mulheres com mutação nos genes BRCA1 e BRCA2, especificamente, nós podemos lançar mão de terapias direcionadas para esses genes, que são os inibidores de PARP”, diz Aline.
A médica oncologista destaca uma medida de redução de risco: a indicação de retirada dos ovários e trompas para mulheres até os 40 anos e com mutação do BRCA1, ou 45 anos se for mutação do BRCA2. Existe também a possibilidade da retirada das duas mamas como medida profilática e com o intuito de prevenir a reincidência da doença ou o surgimento de um novo câncer.
“Além de alterações nos genes BRCA, contamos com diversas outras alterações que nos guiam no tratamento, como a hiperexpressão da proteína HER2 ou mutação do gene PIK3CA”, ressalta Aline. Entre os exames que permitem identificar mutações em biomarcadores-chave está a linha EasyPGX, comercializada pela Mobius, empresa especializada em soluções de biologia molecular para diagnóstico oncológico.
Os testes identificam mutações no PIK3CA (orienta terapias-alvo como alpelisibe), ESR1 (indica resistência à hormonioterapia) e DPYD (previne toxicidade em quimioterapia). Além de serem rápidos, com resultados em menos de três horas, os testes são precisos e de alta sensibilidade, facilitando decisões clínicas e reforçando o papel do diagnóstico molecular na medicina personalizada.
Do choque inicial ao tratamento e a remissão
Para mãe e filha, o diagnóstico é o pior momento e a sensação é a de que “o chão se abre diante dos pés”, mas após o choque inicial, inicia-se o tratamento. Diversas sessões de quimioterapia, possíveis cirurgias, exames complementares, radioterapia e intermináveis reposições hormonais. “No momento em que eu ouvi, da médica que seriam 16 quimioterapias, eu senti que eu estava num júri recebendo uma sentença e que eu ia para prisão e ficaria, no mínimo, seis meses de reclusão”, lembra Helena.
À medida em que o tratamento foi acontecendo, junto com sua vida, que não parou, Helena, hoje formada em design, já tinha qualificado seu trabalho de conclusão de curso e estava prestes a iniciar um documentário, quando surgiu a ideia de documentar o próprio processo. “Eu sabia que eu queria fazer um documentário, mas quando eu recebi o diagnóstico, vi diante de mim uma oportunidade. Então, pensei: vou gravar minha vida, tudo que eu estiver sentindo e essa transformação”.
“Eu estava ciente de que eu ia passar por uma transformação gigantesca, então eu consegui ainda, antes do casulo fechar, começar a filmar. Filmei a rotina de exames e como eu estava me sentindo, e isso se tornou meu projeto de TCC. Eu sabia que ao final do ano eu teria um material que mostrava toda a minha trajetória, em que eu tinha muita certeza e segurança de que ia acabar bem e que ia ser um documentário de câncer com um final feliz”, afirma Helena.
Após meses de tratamento, exames de imagem confirmaram em junho de 2024 que o tumor de Helena já não existia mais e uma parte da batalha estava vencida. O documentário ressalta idades, datas e marcos ligados ao tempo dessa trajetória. “A gente considerou essa questão do tempo de duas formas: primeiro por eu ser jovem, mas também por a gente ter conseguido o diagnóstico ainda no estágio 3. Depois desse episódio, não tem mais desculpa. Acompanhamento médico e exames estão acima de tudo, porque eu vi que sem a minha saúde eu não consigo fazer as outras coisas, e foi isso que eu quis passar no documentário: ainda dá tempo”.
No dia 29 de outubro, o documentário “Não há mal que dure cem anos” será exibido, de forma gratuita, no Mindhub – Hub de Inovação, em Curitiba (PR). A exibição faz parte da programação do Outubro Rosa.