Reprodução / DPEPR

Eram seis crises epilépticas por dia: três enquanto estava acordado, três enquanto estava dormindo. Nos primeiros anos de vida, Luiz Gustavo Lins de Lara não teve o direito de viver como as demais crianças. “Nós sempre privamos ele de tudo, porque era necessário. Se ele corresse, ficasse agitado ou pulasse, a aceleração poderia provocar uma nova crise. Tínhamos medo de qualquer brincadeira”, relembra Tatiane Aparecida Lins, dona de casa de 28 anos, mãe do menino. Hoje, os ataques desencadeados pelo quadro de Epilepsia Refratária ocorrem uma vez por dia, graças à medicação à base de canabidiol (CBD) utilizada no tratamento – obtida gratuitamente por meio da Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR).

O caso da família de Curitiba marcou a primeira vitória da instituição na Justiça estadual de uma demanda de acesso a fármacos extraídos do canabidiol para crianças ou adolescentes. Em abril, a DPE-PR conquistou uma decisão liminar que reconheceu o direito de Luiz Gustavo ao medicamento, e que obriga o município e o estado do Paraná a lhe fornecer o tratamento. Tatiane e o marido, Wellington Pedroso de Lara, obtiveram acesso ao produto, que deriva do princípio ativo da cannabis sativa no último dia 25. O alívio relatado pela mãe reflete uma luta enfrentada desde que a doença do filho foi descoberta, quando ele tinha três anos. 

“O Luiz estava no sofá, assistindo a um desenho. De repente, ele revirou os olhos, virou a cabeça e caiu para o lado. Isso nunca tinha acontecido, nem com ele e nem com ninguém da minha família. A princípio, achamos que era apenas um desmaio”, conta Tatiane. No dia seguinte, no mesmo horário, próximo das 9h, a situação se repetiu.

Os pais levaram o pequeno ao Hospital de Clínicas (HC), onde foi constatado que a criança tinha síndrome de Lennox–Gastaut (SLG), um tipo raro de epilepsia infantil que, quando fora de controle, pode levar à morte. “Olharam para nós e falaram o diagnóstico como se fosse uma simples dor de barriga. Foi muito traumático, e é até hoje”, conta. Mesmo com o acompanhamento de profissionais e uso regular de medicação, as crises convulsivas de Luiz Gustavo se tornaram mais graves com o passar do tempo, além de provocarem diversos efeitos colaterais na criança, como sono excessivo e vontade de não realizar nenhuma atividade. A medicação inicialmente receitada também parou de conter parcialmente as convulsões. O período máximo sem registro de nenhuma crise foi de seis meses, de acordo com a família.

“A médica nos explicou como funcionam as convulsões: a cada crise, é como se um neurônio fosse queimado. Hoje, o Luiz tem oito anos, e desde que aconteceu a primeira situação de epilepsia, ele regrediu muito. Tudo o que ele aprendeu até os três anos, ele desaprendeu já no início das convulsões”, explica Tatiane, que deixou de trabalhar fora de casa para cuidar do filho. Há cerca de dois anos, a criança também foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

As possibilidades terapêuticas do canabidiol

Com a piora da epilepsia, o uso de medicamentos extraídos da cannabis foi receitado pelo médico responsável como uma possível alternativa ao tratamento tradicional, que se tornou ineficaz. No entanto, após uma solicitação extrajudicial ao programa Farmácia do Paraná, da Secretaria Estadual de Saúde (SESA), o pedido foi negado sob a justificativa de que o canabidiol não é recomendado para crianças e adolescentes com essa condição, pois outros medicamentos listados na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) poderiam cumprir a mesma função. De toda maneira, essa medicação consta na lista de remédios com uso autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Moradores da Comunidade do Sabará, formada por vilas da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), os pais de Luiz Gustavo buscaram apoio na vizinhança para tentar judicializar um processo reivindicando o produto. A família não conseguiria arcar com os custos da contratação de um advogado, mesmo porque os pais do menino já desembolsavam mais de R$ 300, a cada dois meses, para garantir o uso de outros medicamentos que não são fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“Às vezes, eu assistia na televisão depoimentos de mães que tinham conseguido acesso ao canabidiol para seus filhos, e via como isso tinha mudado a vida deles. Eu dizia para o Luiz: ‘podia ser a gente’. É muito frustrante, você fica na necessidade de algo que parece tão longe”, comenta Tatiane.

Conhecidos recomendaram que ela procurasse o serviço de assistência jurídica gratuita da Defensoria Pública do Estado do Paraná. Após o primeiro atendimento, a defensora pública Luciana Tramujas Azevedo Bueno e a estagiária de graduação em Direito Caroline Bisinelli Baptista receberam a mãe de Luiz Gustavo na sede descentralizada da DPE-PR na CIC. A ação foi ajuizada no dia 5 de abril.

“Eu já havia feito estágio em um escritório de advocacia, na área de Direito Médico, que representava um plano de saúde, então sempre tive a visão do lado do réu nesses processos. Tive contato com alguns processos que envolvem tratamento à base do canabidiol, mas estar do outro lado dessa vez, e envolvendo uma criança, para mim foi muito gratificante”, conta Baptista. 

Na ação, a Defensoria Pública argumenta que a família já havia tentado outros medicamentos disponíveis para o controle adequado das crises convulsivas, mas como esses não haviam sido eficazes, o acesso ao tratamento à base de canabidiol deveria ser concedido e custeado pelo estado do Paraná e pelo município de Curitiba.

Fomento ao uso da cannabis

Um parecer da Coordenação da Assistência Farmacêutica da SESA, obtido pela Defensoria, considera que não existem evidências suficientes que justifiquem a incorporação de um produto à base de cannabis para crianças e adolescentes com epilepsia refratária. Após os primeiros dias de uso, porém, a família já sentiu mudanças trazidas pelo novo tratamento. Para a mãe, “com o Luiz Gustavo não tendo tantas crises como antes, ele vai ter uma qualidade de vida sem igual. Vai poder brincar, fazer o que uma criança qualquer faz”.

A discussão sobre o uso medicinal da cannabis ganhou mais espaço no Paraná a partir da Lei Pétala (21.364/2023), que facilita o acesso a produtos à base de canabidiol e tetrahidrocanabinol (THC), outra substância encontrada na planta, para tratamentos de saúde. Embora não utilizada na argumentação apresentada pela DPE-PR no caso de Luiz Gustavo, a nova legislação, promulgada em fevereiro, avançou no debate sobre os benefícios obtidos a partir da cannabis, principalmente com relação a remédios autorizados pela Anvisa.

“Dificultam tanto o acesso a esses tratamentos por preconceito. Independentemente da base da medicação, por que eu não daria o medicamento para o meu filho se ele pode trazer tantos resultados positivos, se isso vai dar qualidade de vida para ele?”, questiona a mãe. Após a conquista de Luiz Gustavo, Tatiane agora busca motivar outras mães que também buscam garantir uma vida melhor para um(a) filho(a) que enfrenta situações semelhantes. “Agradeço muito ao trabalho da Defensoria, pois sem um defensor, eu não teria conseguido. O remédio está aí para isso, e eu acredito que tem que liberar mais, para que mais pessoas tenham acesso. Tudo de positivo que você pode fazer por um filho é válido”, completa ela.