
O Outubro Rosa, mês dedicado à conscientização sobre saúde feminina, em especial para o câncer de mama, tem ações espalhadas por todos os setores.
Mas, a campanha de prevenção ganha nova dimensão quando olhamos para as necessidades específicas das mulheres neurodivergentes, um grupo que exige atenção médica diferenciada e ainda enfrenta barreiras significativas no acesso aos cuidados preventivos.
No Brasil, o Censo Demográfico mais recente revelou dados que dimensionam essa urgência: das 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no país, apenas 1 milhão são mulheres, representando 0,9% da população feminina, contra 1,5% entre os homens.
Segundo o Dr. Matheus Trilico, neurologista referência em TEA e TDAH em adultos, esses números brasileiros não apenas confirmam a tendência global de subdiagnóstico feminino, como evidenciam que milhares de mulheres ainda permanecem invisíveis aos sistemas de saúde.
O Desafio do Diagnóstico Tardio
Historicamente, o autismo foi estudado e diagnosticado com base em apresentações masculinas, criando critérios que frequentemente não capturam as manifestações femininas da condição.
“Mulheres autistas desenvolvem estratégias de camuflagem social mais sofisticadas, mascarando sintomas e atrasando identificação diagnóstica muitas vezes por décadas. Essa lacuna diagnóstica se reflete diretamente na saúde preventiva”, reforça o neurologista.
Estudos internacionais demonstram que mulheres neurodivergentes apresentam maiores taxas de ansiedade, depressão e condições físicas como síndrome do intestino irritável e distúrbios autoimunes.
“Pesquisas já evidenciaram que mulheres autistas têm probabilidade significativamente maior de desenvolver condições ginecológicas complexas, incluindo irregularidades menstruais e complicações reprodutivas”, informa o Dr. Trilico.
Barreiras Sistêmicas no Acesso à Saúde
Mulheres no espectro apresentam 70% menos adesão a mamografias preventivas comparadas à população geral, segundo pesquisas recentes. Os dados alarmantes revelam uma lacuna crítica no cuidado preventivo de uma população já vulnerabilizada pela falta de diagnósticos adequados.
Com 1 milhão de mulheres brasileiras já diagnosticadas com TEA, e considerando as que ainda não foram identificadas, torna-se evidente a necessidade de adaptar nossos protocolos de saúde feminina.
“As dificuldades sensoriais comuns no autismo, como hipersensibilidade ao toque, ruídos ou iluminação, podem transformar exames de rotina como mamografias e papanicolau em experiências traumáticas quando realizados sem adaptações adequadas”, enfatiza o médico.
Estudos internacionais identificam os principais obstáculos: hipersensibilidade sensorial aos equipamentos, dificuldades na comunicação com profissionais de saúde, ansiedade extrema em ambientes médicos e falta de protocolos adaptados.
“Uma mamografia pode ser uma experiência traumática para uma mulher autista devido à compressão das mamas, aos ruídos do equipamento e à necessidade de permanecer imóvel. Sem adaptações simples, estamos excluindo essas mulheres do cuidado preventivo”, explica Dr. Matheus.
A comunicação também representa barreira significativa. Mulheres autistas frequentemente encontram desafios para expressar desconfortos físicos ou interpretar sinais corporais, podendo subestimar sintomas importantes ou ter dificuldades para descrever precisamente suas queixas aos profissionais de saúde.
Protocolos Adaptados: Uma Necessidade Urgente
A implementação de protocolos específicos para mulheres neurodivergentes durante o Outubro Rosa não é apenas recomendável: é imperativa.
Dr. Matheus Trilico orienta que ambientes com iluminação suave, redução de ruídos, tempo estendido para consultas e comunicação clara sobre cada etapa dos procedimentos podem transformar a experiência de cuidados preventivos.
Profissionais de saúde precisam ser treinados para reconhecer apresentações atípicas de sintomas e compreender as particularidades comunicacionais dessas pacientes.
“A abordagem centrada na pessoa, considerando suas necessidades sensoriais e comunicacionais específicas, pode significar a diferença entre o acesso efetivo aos cuidados preventivos e o abandono do acompanhamento médico”, alerta o médico.
Um Chamado à Ação
Os dados do IBGE revelam que temos uma população significativa de mulheres neurodivergentes que merece cuidados de saúde equitativos e acessíveis. O Outubro Rosa de 2024 deve marcar o início de uma nova era na saúde feminina – uma que reconheça e atenda às necessidades específicas de todas as mulheres, incluindo aquelas cujos cérebros funcionam de maneira diferente.
“A conscientização sobre câncer de mama e saúde feminina só será verdadeiramente inclusiva quando considerarmos as barreiras enfrentadas por mulheres neurodivergentes”, destaca o Dr. Trilico.
Investir em protocolos adaptados e capacitação profissional não é apenas uma questão de inclusão: é uma questão de justiça em saúde pública.
É hora de transformar o cuidado médico para que nenhuma mulher seja deixada para trás, independentemente de como seu cérebro processa o mundo ao seu redor.
Matheus Luis Castelan Trilico é Médico pela Faculdade Estadual de Medicina de Marília (FAMEMA); Neurologista com residência médica pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR); Mestre em Medicina Interna e Ciências da Saúde pelo HC-UFPR; Pós-graduação em Transtorno do Espectro Autista.
Mais artigos sobre TEA e TDAH em adultos podem ser vistos no portal do neurologista: https://blog.matheustriliconeurologia.com.br/