Tomografia de cerebro normal
Tomografias de um cérebro normal e um cérebro em morte encefálica (foto: reprodução)

Setembro é o mês dedicado à conscientização sobre a doação de órgãos, uma campanha essencial para salvar milhares de vidas no Brasil. Esse é um momento de mobilização nacional e também de informação, já que muitos mitos e dúvidas ainda cercam o tema. Entre eles, a confusão entre coma e morte encefálica, condição em que a doação de múltiplos órgãos pode se tornar possível.

A morte encefálica é a perda completa e irreversível das funções do cérebro e do tronco encefálico. Isso significa que o paciente não tem reflexos neurológicos, não respira por conta própria e não apresenta qualquer atividade cerebral, mesmo que aparelhos mantenham o coração batendo e o corpo aquecido. O coma, por outro lado, é um estado grave, mas potencialmente reversível. Essa diferença é fundamental e precisa ser compreendida por todos.

No Brasil, o diagnóstico de morte encefálica é feito seguindo critérios rígidos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina e pela legislação federal. São necessárias avaliações clínicas realizadas por dois médicos especialistas independentes, teste de apneia e exame complementar, como eletroencefalograma ou Doppler transcraniano, sempre com protocolos claros que asseguram precisão e transparência.

“Sabemos que esse é um dos momentos mais difíceis para qualquer família. Ver um corpo ainda aquecido, com batimentos cardíacos, traz a sensação de que existe chance de recuperação. Mas a ciência mostra o contrário. A morte encefálica é irreversível. Quando compreendida de forma clara, pode transformar a dor em um gesto de amor e solidariedade, permitindo que a vida continue por meio da doação de órgãos”, explica o Dr. Denildo Veríssimo.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2021 o Brasil registrou mais de 5.800 notificações de morte encefálica. Dessas, apenas 1.451 resultaram em doadores efetivos. A taxa de recusa familiar, que ultrapassa 40%, ainda é um dos maiores obstáculos. Isso significa que ampliar a informação é tão importante quanto garantir o suporte médico.

Por que ainda existe confusão com o coma

A confusão entre coma e morte encefálica é comum, especialmente entre familiares que veem o paciente com sinais vitais mantidos artificialmente. O fato de o corpo estar aquecido e de os aparelhos indicarem batimentos cardíacos e respiração, mesmo que induzidos, contribui para a falsa impressão de que o paciente está vivo e pode melhorar. Parte dessa percepção se dá porque, cultural e biologicamente, o batimento do coração é associado à vida, é um dos sinais mais visíveis e emocionais de que alguém ainda está ali. Soma-se a isso o apego, a esperança e o desejo de recuperação, que são absolutamente humanos.

No entanto, essa sensação é ilusória: o funcionamento cardíaco só persiste graças ao suporte contínuo de aparelhos. Sem eles, o corpo não manteria sozinho nenhuma função vital. A ausência total de atividade cerebral, comprovada por exames e protocolos médicos rigorosos, é o que determina a morte encefálica. Portanto, embora os sinais vitais artificiais transmitam a ideia de vida, a realidade neurológica e legal é de morte completa e irreversível. “Sabemos que esse é um dos momentos mais difíceis para qualquer família. Ver um corpo ainda aquecido, com o coração batendo, traz a sensação de que existe alguma chance. Mas é justamente nesse instante tão doloroso que a medicina precisa entrar com clareza e empatia. A morte encefálica é irreversível, e quando bem compreendida, pode transformar essa dor imensa em um gesto de amor ao próximo. É quando a vida, mesmo na ausência, pode continuar por meio da doação de órgãos”, explica o neurocirurgião Dr. Denildo Veríssimo.

Segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 20% da população brasileira compreende corretamente o que é a morte encefálica. Essa desinformação pode gerar angústia, resistência à doação de órgãos e dificuldade de aceitação por parte da família. Em muitos casos, a recusa familiar é o maior obstáculo para a efetivação da doação, mesmo após o diagnóstico técnico e legal de morte.

Morte encefálica e a doação de órgãos

A morte encefálica é a única situação em que a doação de múltiplos órgãos, como coração, fígado, rins, pâncreas e pulmões, é viável. Isso porque os órgãos continuam irrigados e oxigenados por um curto período, graças ao suporte da ventilação mecânica e dos cuidados intensivos. Compreender que a morte encefálica é, de fato, morte e não uma etapa do coma, é fundamental para a tomada de decisão consciente e solidária.

A importância da informação clara e técnica

O diagnóstico de morte encefálica é feito com base em protocolos científicos, éticos e legais. Todos os profissionais envolvidos são treinados e agem com responsabilidade e empatia. Não há espaço para erro ou precipitação. A confiança nesse processo deve ser reforçada com informação de qualidade, para que famílias estejam preparadas para lidar com essa realidade de forma serena e consciente.

Mais do que um dado técnico, a morte encefálica é um momento delicado que exige acolhimento, escuta e informação. E, quando compreendida com clareza, pode se transformar em uma oportunidade de continuidade de vida para outras pessoas.

No Setembro Verde, reforçamos que a compreensão sobre a morte encefálica salva vidas. A doação de órgãos é uma oportunidade de transformar a perda em esperança, garantindo a continuidade da vida de muitos pacientes que aguardam por um transplante.

Dr. Denildo Veríssimo é neurocirurgião, especialista em doenças do crânio, coluna e técnicas minimamente invasivas