Taormina, através da História e das Lendas

Dayse Regina Ferreira

Quem vai até a Itália, e não visita a Sicília, vai ter que refazer o roteiro outra vez.

Quem vai até a Sicília e não conhece Taormina, perdeu a viagem.

Em 1787, depois de uma longa peregrinação pela Itália, W. Goethe afirmou: A Itália sem a Sicília, não deixa imagens no espírito. A Sicília, da mítica Trinacria, terra em forma triangular, sempre atraiu invasores. Por seu clima agradável, a fertilidade do solo, a beleza da paisagem, foi habitada desde os tempos pré-históricos. Colonizada  pelos gregos,  herdou deles muitos aspectos de sua civilização. Mas sofreu sucessivas dominações pelos romanos, bizantinos e árabes, além dos normandos e svevos,                 responsáveis pelos melhores momentos da cultura e da arte na ilha. A decadência surgiu com a dominação aragonesa e espanhola, por um longo período. Para culminar, foi bombardeada pelos aliados na Segunda Guerra Mundial.

No século XIX Garibaldi tirou a Sicília das mãos dos Bourbon e a uniu ao resto da Itália, mas não o suficiente para resolver definitivamente seus problemas , cuja economia ainda hoje sofre graves situações sem resolução. Toda ilha tem 25,7 mil km quadrados, um pouco menor do que Alagoas. Mas é o resumo do Mediterrâneo, com seus templos gregos, mosaicos bizantinos, vilas romanas, passeios normandos, igrejas barrocas e mansões renascentistas.

TAORMINA, A BELA

Com cerca de 11 mil habitantes, ocupando 13 quilômetros quadrados e tendo São Pancras de Taormina como patrono, a cidade é conhecida como a Pérola do Mar Jônico. Coisa que já sabiam seus admiradores como Goethe,Klimt, Oscar Wilde,David H. Lawrence. E todos os que chegaram até lá, depois de sua fundação no alto do Monte Tauro, 200 metros acima do mar,  em 396 antes de Cristo.

Taormina foi controlada por Siracusa, depois pelos romanos, pelos atuais galegos, espanhóis, franceses. E passou, na segunda metade do século 19, a integrar a Itália. A paisagem é dominada pelo Etna, vulcão em atividade há mais de 500 mil anos, que já impressionava aos gregos. O poeta Pindaro (522 – 443 antes de Cristo) chamava o vulcão de coluna do céu, por causa da fumaça branca que se funde com as nuvens. Seus 3.350 metros ficam no monte Mongibello, que tem um perímetro de 200 km na base. Além da cratera principal, há 300 bocas laterais.

O Etna é o maior vulcão da Europa ultrapassando o Beerenberg da Noruega ( 2.277 metros) e o Kverkjfoli da Islândia (1.920 m) . Apenas cem metros separam o paraíso do inferno. Até 1.900 m de altitude faz parte do paraíso, fertilizando as terras com suas lavas, dando vida a pinheiros, castanheiras, carvalhos e figos- da-índia. Dos 2.600 metros até o cume, é a terra estéril, fumegante, o deserto vulcânico coberto de gelo. O vulcão precisa despejar 4.000 toneladas de gás. Todos os dias. Quando não consegue atingir a cota, entra em erupção. Em apenas quatro décadas cresceu 80 metros, pelo acúmulo de lavas.

Os turistas podem chegar até perto da cratera, seguindo guias especializados. A aventura começa com o teleférico aos 1.923 metros, seguindo nele até  os 2.608 m. Um jipe espera os visitantes para leva-los até  2.920 m. O restante é percorrido em caminhada, até  3.323 metros. Cientistas utilizam todos os tipos de instrumentos high-tech para verificar o humor do vulcão, como raio laser e computadores. Os sicilianos têm técnica própria, bem mais primitiva: rezam fervorosamente toda vez que o Etna começa a tremer.

HOMENS DEUSES

Um dos mais famosos escritores italianos, Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957) afirmou em sua obra mais conhecida,- O Leopardo -, que não se pode ensinar boas maneiras aos sicilianos. Porque eles sempre dizem nós somos deuses.

Lampedusa, Pirandello, Verga, Miraglia, Sciascia escreveram sobre a indiferença, o orgulho e o caciquismo na ilha, resultado da influência dos gregos, romanos, bizantinos, árabes, normandos, aragoneses, vice-reis da Espanha, dos Bourbons e dos Savóia,  dos fasci socialistas e da Máfia. Nas grandes obras da literatura os protagonistas usam a inteligência formal dos sicilianos, a percepção dos pontos fracos de uma argumentação contrária para virá-los a seu favor. Sentimentos tradicionais são a honra, a inveja, a vingança, vividos sempre como raízes de efeitos opostos.

A inveja se transforma em clientelismo e na política, em caciquismo eleitoreiro. O caciquismo siciliano nasce do interesse privado, da roba, dos bens que não são propriamente usados, mas deixados para as gerações futuras. A apreensão que acompanha o ritmo de acumulação da roba condiciona a vida siciliana, com uma sensação de insegurança na vida, nos afetos, nos bens, que se torna obsessiva.

ROTEIRO EM  TAORMINA

Como a cidade é pequena, a maioria dos visitantes passa apenas algumas horas apressadas, visitando os pontos principais e retornando às suas bases. Mas o ideal é ficar de quatro a sete dia, só curtindo a calma, a beleza dos jardins, o mar, os arredores.  A melhor hora do dia é sentar na varanda do hotel e apreciar o cair da noite,  bebericando um bom vinho italiano, apreciando um bom queijo local. O grande espetáculo é o descer das lavas incandescentes pelas encostas do  Etna, iluminando a noite e recortando a cidade à beira d’água. Não há nada igual no planeta.

Taormina tem um teatro grego a céu aberto – como todos da época – que se acredita tenha sido construído no século 7º antes de Cristo. Foi modificado depois pelos romanos. A catedral de São Nicolau, perto da porta Catânia, é do século 12. Do século 10 é  palácio Corvaja, transformado em museu. Foi construído com pedras de um antigo templo  do mesmo local. Também se destacam o Odeon, onde são apresentados espetáculos musicais; a naumachia, lago artificial para falsas batalhas navais; a  Piazza Vittorio Emanuele, local do fórum romano. O Duomo, construído no século 13 e reformado em 1636, lembra uma fortaleza.

SICÍLIA TEMA DE FILMES

Fotogênica como ela só, a Sicília teve seus cenários explorados pelo cinema e serviu de pano de fundo para a derrocada da aristrocracia ( O Leopardo),  para o poder mafioso ( ) Poderoso Chefão) e para uma fuga de campos de concentração ( Stromboli). Francis Ford Copolla usou cenários áridos como palco de desgraças. Lá se passa a infância do futuro chefe mafioso, dom Vito Corleone. Roberto Rosselini ambientou Stromboli nas praias sicilianas.

A Sicilia também pode ser vista nos filmes Muito Barulho Por Nada, Mediterrâneo e Kaos.

GASTRONOMIA É CULTURA

Foi a gastronomia que colocou a Sicília na modernidade. Sua localização no coração do Mediterrâneo transformou a ilha em entreposto de mercadorias na era das grandes navegações. Do Oriente importou amêndoas e berinjelas e introduziu no Ocidente os mágicos sabores do macarrão.

Um documento de 1134, redigido em Palermo, escrito por um historiador mourisco, destacou o seu encantamento com a iguaria batizada de itiya, uma combinação de farinha, água e vinho branco, formando fios longos, que secavam ao vento. Era a matriz dos futuros spaghetti, cerca de 150 anos antes de Marco Polo viajar à China.

O macarrão na época era servido com queijo de cabra, pimenta do reino e, por cima de tudo, um ovo frito em azeite de oliva. Aos poucos os sicilianos foram agregando sabores e novos prazeres da massa, com alho, anchovas, sardinhas, ovas de peixe refogadas. Por volta do século 15, o macarrão era servido até como sobremesa, com suco de laranja e mel.

Embora o tomate seja americano, é de Trapani o primeiro molho vermelho de macarrão da história, misturando polpa do fruto com azeite, orégano e especiarias, datando a mudança no início do século .

A Sicília tem uma das cozinhas mais variadas da Itália, combinando influências do Norte da África, Europa e leste do Mediterrâneo. O mais antigo livro ocidental de culinária foi  A Arte de Cozinhar, do século 5º antes de Cristo, escrito por Mithaecus, um grego de Siracusa. A fertilidade da Sicília atraiu os colonizadores gregos, que exportavam óleo, trigo, mel, queijo, frutas e verduras para sua terra natal.  Os romanos se concentraram em fazer o pão. Os árabes introduziram  laranjas, limões, berinjelas e cana de açúcar e contribuíram com a criação da granita, gelo moído com suco de frutas.

Embora os sicilianos gostem de dizer que os árabes foram a origem do sorvete, é bom lembrar que gregos e romanos já tinham sua versão do gelato, misturando vinho com a neve do Etna. Como sempre, os aldeãos tinham uma dieta de subsistência, enquanto a aristocracia desfrutava de extravagâncias culinárias. Hoje a marca da comida siciliana é o trivial saboroso, em bela apresentação. São destaques na mesa do dia-a-dia o peixe espada, sardinha, ricota, pimenta vermelha, berinjela, alcaparra, azeitonas e marzipan (pasta de amêndoas). Cassata (bolo de sorvete), macarrão à Norma (com passas, anchovas, sardinhas, pignoli), Matorana (pasta de amêndoas em formato de frutas coloridas), atum, e o mais famoso café: coisas para serem provadas. E repetidas, todos os dias.

Coloque a Sicília no seu próximo roteiro de viagens pela Europa. E dê tempo suficiente para as melhores lembranças, em Taormina.