Uma Páscoa Ucraniana no Paraná

Por Dayse Regina Ferreira

Eles chegaram há 122 anos e foram se instalando em Apucarana, Maringá, Ivaiporã, Nova Tebas, Campo Mourão, Mamborê, Roncador, Telêmaco Borba, Ortigueira, Cascavel, Pitanga, Palmital, Boa Ventura de São Roque,Laranjeiras do Sul, Virmond, Pato Branco, Foz do Iguaçu, Ponta Grossa, Curitiba. Mas é em Prudentópolis que fizeram a memória da Ucrânia, mantendo a arquitetura típica, usos e costumes da terra distante. Conhecida pela exuberância natural com suas cascatas ( são mais de cem catalogadas), chamada também de Vaticano Ucraniano, Prudentópolis forma  padres e freiras em mosteiro e convento,  onde todos estudam.  Se diz que Prudentópolis hoje é mais ucraniana do que a própria Ucrânia, que foi dominada durante setenta anos pela União Soviética, época em que era proibido ter língua e cultura próprias. Até hoje a maioria da  população ainda fala russo no país que comemora 22 anos de independência da Rússia. O Brasil guardou o folclore, o idioma, o artesanato, cultivados pelos 500 mil descendentes de ucranianos. Número ultrapassado apenas pelos Estados Unidos (1,5 milhão) e Canadá (1 milhão).

Curitiba e arredores também guardam as marcas desses imigrantes, cujo ponto de encontro continua sendo a igreja. Como as de Vila Oficina, Vila Guaira, São Braz, Pinheirinho, Mercês, Boqueirão, Bigorrilho, Bairro Alto, Água Verde, São José dos Pinhais, Antonio Olinto, Cruz Machado, General Carneiro, Paula Freitas, Paulo Frontin, União da Vitória, Irati, Rio Azul, Mallet. Foi em Mallet que surgiu a primeira igreja ucraniana do Brasil.A igreja ortodoxa católica de rito litúrgico bizantino conta com cerca de 10 milhões de fiéis no mundo. Metade deles vivem na Ucrânia, sua sede principal. E quem introduziu o nome Igreja Greco-Católica ( Ecclesia Ruthena Unita) foi Maria Teresa em 1774, Imperatriz da Áustria. A Catedral de São Jorge em Lviv foi a sede da igreja católica ucraniana durante os séculos 19 e 20.

Eslavos foram os povos da Ucrânia, Rússia central e Bielorússia. Cada um com linguagem, cultura, tradições e gastronomia distintas. De todas as datas festivas, a que está mais enraizada na vida dos eslavos é a Páscoa. Em todas as partes do mundo onde houver um eslavo, a tradição é seguida, um costume mais antigo do que sua história escrita. Os que emigraram para outras terras – Paris, Paraná, San Francisco, Nova York ou Hong Kong – lotam as igrejas ortodoxas e as catedrais nos países que os acolheram, para cumprir os rituais do passado. Um hábito, uma nostalgia, um gesto de afeto e respeito pelos pais e avós.Uma tradição milenar.

Nas igrejas os cantos, rezas e rituais duram horas. O serviço da Ressurreição, à meia noite, pode demorar quatro horas. Nas casas,a festa congrega familiares e amigos em torno da zakuska (entrada de vários pratos) e vodka, seguidos de carnes assadas frias, presuntos, lingüiça temperada (kolbase), pato  ou porco assado, tudo servido  com raiz forte ralada (khrim) , terminando com o kulich, um bolo alto, cilíndrico, recheado com passas e nozes, coberto com glacê de limão, e paskha, uma pirâmide de queijo branco misturada com frutas e cascas   cristalizadas, creme de leite, amendoas .

 Quando o príncipe Volodymyr de Kiev levou o Cristianismo para seu povo em 988 , fez a Páscoa coincidir com um antigo festival pagão, que marcava o final de um longo inverno. A bondade escondida nos coração dos sagrados será revelada nos corpos que se erguem, assim como as árvores despidas fazem brotar suas folhas na primavera, prometia um velho sermão. A Páscoa sempre destaca o poder dessa analogia.

No pátio de igrejas centenárias, as famílias esperam  a procissão que dá voltas no prédio enquanto  o padre passa benzendo os bolos e pães da Páscoa, — kulich e paskha – e os ovos pintados  – pêssankas –  cobertos com toalhas brancas bordadas, nos cestos decorados com flores.

Uma gastronomia rica, robusta e farta, criada para alimentar o corpo e o espírito. Uma mesa cheia de pratos coloridos, uma hospitalidade sempre pronta a acolher o estrangeiro. Para o eslavo, a comida sempre foi um símbolo. Os ancestrais pagãos adoravam o Sol e honravam  seu deus no solstício da primavera, preparando e comendo sua imagem – uma panqueca  redonda e fina, frita em manteiga dourada. A mesma delícia chamada hoje de bliny, sempre presente à mesa. Esses primeiros eslavos tinham poucos animais domésticos e plantavam alguns cereais. Comiam o que havia e o que podiam, suprindo os próprios esforços com o que a natureza oferecia: caça, mel, nozes, cogumelos da grande floresta, o peixe tirado dos inúmeros rios.

PÊSSANKAS COMO OBRAS DE ARTE
Os desenhos criados pelos artesãos que cultivam a arte da Pêssanka são tão detalhados e complexos, que parecem um mosaico em miniatura. Pesquisas arqueológicas revelaram que esses ovos eram pintados  na Ucrânia milhares de anos antes do início da era cristã. Mas a técnica permanece a mesma através dos tempos. Os motivos básicos são estilizações do sol, estrela, cruz, flores e as letras em cirílico XB, que significam Christos voskres (Cristo ressuscitou).

Os ovos decorados, que precederam ao Cristianismo, chegaram ao clímax na Rússia, na virada do século 19. Em 1884 o czar Alexander III encomendou a Karl Fabergé, joalheiro da corte, a criar um presente especial para a tsarina: um ovo de ouro com esmalte branco, que ao abrir mostrava uma gema  em forma de pássaro com olhos de rubi, usando a coroa imperial, também com um pendente de rubi. O presente agradou em cheio à tsarina, porque era a cópia – muito mais sofisticada – do que ela conhecia quando criança, em sua terra natal, a Dinamarca. Tanto o czar Alexander como seu sucessor, Nicholas I,  tomaram o hábito de encomendar os ovos-jóias e a Corte passou a trocar presentes de Páscoa em forma de ovos de cristal, esmalte de todas as cores, ouro, platina, marfim, tudo decorado com rubis, pérolas, safiras, diamantes. Os ovos serviam de embalagem para miniaturas de pessoas, lugares, modelos em escala de prédios, iates e até um trem da Great Siberian Railway, com máquina em platina e vagões em ouro.

INTERMINÁVEIS FESTAS
Para os ortodoxos os preparativos da Páscoa começam sete semanas antes, já em fevereiro ou início de março. É época em que o frio intenso e os dias escuros terminam em noites que parecem não acabar.Os rios congelados, a neve ainda caindo, as árvores transformadas em montes de galhos vazios pesam na alma e não ajudam ninguém a ser feliz. Surge então o ritual de uma semana – Maslenitsa – Festival da Manteiga – que precedia os 40 dias reservados ao jejum, um hábito que já desapareceu. Nos tempos pré-revolucionários da Rússia, o Maslenitsa foi transformado em sete dias de Carnaval, com desfiles de máscaras, bailes, espetáculos e comidas, muitas comidas. Era preciso armazenar energias para os dias de jejum. No último dia, o boneco do  Príncipe do Carnaval era queimado em praça pública. Hoje a Maslenitsa ficou reduzida às reuniões informais onde reina o bliny, a zakuska e a vodka.

UMA VIAGEM SEM SAIR DE CASA
Se você não estiver em Paris, para   festejar a Páscoa junto ao imigrantes russos na bela igreja  Catedral St. Alexandre Nevsky, na rua Daru número 12, financiada pelo czar Alexander II e a comunidade russa local e projetada por membros da Academia de Belas Artes de São Petersburgo, ou em Nice, onde os milionários eslavos passavam férias e construíram uma bela igreja ortodoxa, e  se não quiser percorrer os pouco mais de duzentos quilômetros que separam Curitiba de Prudentópolis para conhecer a Igreja Matriz de São Josafat, o museu memória da colonização, o artesanato e o folclore, mantido vivo pelos grupos Vesselka, dá para viajar sem sair de casa assistindo ao rito de Páscoa na Igreja Ortodoxa Ucraniana São Demétrio, na rua Cândido Hartmann 1310 – Mercês. Peça informações pelo 3336-4573. Outros endereços: Mitra do Bispado Católico de Rito Ucraniano, rua Emile Zola 252 – Lindóia (3248-8873) ou rua Pará 1035, Água Verde (3329-6763). Também é opção a Igreja Ucraniana São Josa, rua professos José Mauricio Higgins 2354 – Boqueirão (3284-4929) .

FAÇA VOCÊ MESMO
Perohê ou Varenyky: farinha de trigo, 1 ovo, 6 colheres de sopa de leite, sal. Coloque a farinha em uma tigela,  faça um buraco no meio, junte o ovo, leite e sal. Misture tudo até que a massa fique uma bola firme, mas elástica. Coloque em mesa enfarinhada, para não grudar, cubra com um pano e deixe descansar pelo menos por meia hora. Para o recheio, use ricota ou queijo branco, 1 colher pequena de açúcar, 1 gema de ovo,  manteiga derretida e resfriada, sal,  creme de leite azedo. Amasse o queijo com leite. Bata o açúcar com a gema de ovo, manteiga derretida e sal, juntando um pouco de creme de leite, 3 colheres de cada vez. Misture bem, deixando um creme compacto. Retire bolas pequenas de massa, abra com o rolo ( os experts abrem a massa na palma da mão, mas isso requer anos de sabedoria e arte), corte em círculos, passe em cada um deles um pouco da clara  ovo batida, usando pincel. Coloque uma colher de recheio na metade inferior do círculo, cubra com a outra metade da massa, junte as bordas e aperte bem, marcando depois com a ponta do garfo, para assegurar que esteja bem fechado. Vá colocando os perohês (ou varenyky) prontos de lado, sempre cobertos com um pano. Ferva água, temperada com sal, e cozinhe os pasteis por 10 minutos, até que subam à superfície da água. Sirva quente, com manteiga derretida e creme de leite por cima. Quem gosta, pode fritar cebola em pedacinhos na manteiga, até ficar escura, para servir como molho.

PRUDENTÓPOLIS
A cidade já nasceu religiosa: tudo começou com a doação de dois terrenos feita por Firmo Mendes de Queiroz, para que fosse construída uma capela em homenagem a São João Batista. Em 1896 chegaram à região as 1.500 famílias ucranianas de imigrantes, totalizando oito mil pessoas vindas da Galícia, que tinha sido parte do Império Austro Húngaro, pertencido à Polônia e também à Ucrânia. Foi formado então o município, Prudentópolis, para lembrar o presidente Prudente de Morais.  Hoje os prudentopolitanos chegam a  quase 50 mil, ocupando as terras de 2.308 quilômetros quadrados  entre Ponta Grossa e Guaruapuava, ao lado da BR 373, 1.500 metros acima do nível do mar.  Um lugar especial, que o brasileiro pouco conhece e o turista estrangeiro nem ouviu falar.


DESTAQUES

PIBINHO TURÍSTICO
Esse Brasil continente, continua perdendo o passo da história. Uma única catedral – Notre Dame de Paris – recebe 13 milhões de visitantes ao ano. Entre 30 a 50 mil por dia! A França comemora sempre os 70 milhões de turistas anuais. A média do fluxo de turistas estrangeiros no Brasil entre 2009, 2010 e 2011 foi de 5,1 milhões, dizem os experts do Ministério do Turismo.Uma afirmação que deixa dúvidas, mas que vá. Metade deles, oriundos da América do Sul. O pífio resultado –  o pibinho  do nosso turismo – nem é por falta de órgãos oficiais, comitivas passeando para lá e para cá, como a comitiva presidencial de 52 pessoas aplaudindo o papa Francisco em Roma regalada no hotel mais tradicional, caro e  requintado da capital italiana.  Com direito a papagaio de pirata toda vez que a televisão ou o fotógrafo se postava em frente da figura principal.Sim, Deus é brasileiro. Mas está de férias. Ou licença prêmio.

MAIS TURQUIA
A partir de 1º de abril, a Turkish Airlines  começa a voar de Istambul para Houston (USA), quinta cidade norte americana a ser atendida pela companhia aérea turca, que já voa para Chicago, Nova York, Washington e Los Angeles. E em julho, o Brasil terá mais vôos  diretos para Istambul. As quatro freqüências semanais atuais serão diárias. Hoje a Turkish  Airlines  voa para 220 cidades em 98 países.

DE SÃO PETERSBURGO A MOSCOU
O navio AmaKatarina, da AmaWaterways, representada no Brasil pela Firstar , vai percorrer a Rússia entre rios e lagos durante 11 dias de viagem. Quatro dias serão dedicados a São Petersburgo, com hospedagem no próprio barco. Tempo suficiente para visitar o Peterhof, palácio no golfo da Finlândia, com jardins que imitam Versailles; o museu Hermitage; o Palácio de Catarina e ainda assistir a um espetáculo de ballet no Hermitage. Na primavera a viagem segue o Volga e seus canais, lagos Onega e Ladoga, com cidades antigas nas margens. O churrasco russo – shashlyk – em Svirstroy, durante visita à uma família típica da região, está no programa. Em Yaroslavl a visita é para o Monastério da Transfiguração, do século 12 e o Museu de Arte Russa. Também no programa Uglich, os quartos do Príncipe Dimitri. Nos dois dias em Moscou, tours para o Kremlin, a colina e o mais belo metrô do mundo. O navio AmaKatarina foi inaugurado em 2012 e é luxo para 212 hóspedes, com suas 106 cabines, das quais 76 têm varandas, além de 4 suites especiais. O início da viagem está marcado para 12 de junho, com 11 noites de cruzeiro  e todas as refeições incluídas, bebidas nos jantares e tours guiados em cada escala. A partir de 4.998 dólares.

EMERGENTES E GASTADORES
Um detalhe: o Brasil recebe 0,5% dos turistas estrangeiros que vão aos Estados Unidos. Na terra do velho Tio Sam o Departamento de Comércio dos USA confirmou: em 2012 foram 60 milhões de turistas do exterior visitando o país, deixando por lá a bagatela de 168,1 bilhões de dólares ( algo como mais de 320 bilhões de reais!). Claro que os chamados emergentes são os principais gastadores: Brasil, China e Índia. Todos usando o chapeuzinho das orelhas de Mickey, o ratinho.