SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “É um pássaro, um avião? Não é o Fura-Fila.” Em tempos de eleição à Prefeitura de São Paulo, em 1996, foi assim que o então candidato Celso Pitta (1997-2000) vendeu o revolucionário modelo de transporte público que transportaria multidões e seria mais rápido e confortável.
Em 1998, as obras começaram e, ainda em testes, foi inaugurado o primeiro trecho.
Hoje, aos 20 anos, sob o nome Expresso Tiradentes e após ter consumido mais de R$ 1,2 bilhão, o projeto Fura-Fila segue subutilizado, incompleto e ainda isolado de outros meios de transporte da cidade de São Paulo.
O antigo Fura-Fila funciona hoje como um corredor de ônibus sobre pistas e viadutos exclusivos durante 8,2 km, desde o centro até um terminal na zona leste (Vila Prudente) e outro na zona sul (Sacomã). A cobrança da passagem é feita previamente, fora do ônibus, o que agiliza o embarque dos passageiros.
A via exclusiva e o sistema de embarque permitem uma velocidade média maior do que qualquer outro corredor de ônibus na cidade. São mais de 40 km/h nos horários de pico (ainda que a velocidade tenha caído 5% de 2013 a 2017). Em outros corredores comuns da cidade, os ônibus trafegam em velocidade média de 18 km/h a 30 km/h, isso nos horários de pico.
Tecnicamente, especialistas o classificam como o Fura-Fila como o único BRT (sigla em inglês para sistema rápido de ônibus) paulistano, modelo que fica entre um corredor de ônibus comum e um metrô, em sua qualidade de serviço e capacidade de passageiros.
Mas não era esse a ideia original. Em 1996, ao fim da gestão de Paulo Maluf (PP), a prefeitura estudava uma nova rede que pudesse transportar mais pessoas do que um sistema de ônibus comum.
A melhor proposta era uma espécie de ônibus elétrico, biarticulado e guiado de forma mecânica entre canaletas e com o nome técnico de Veículo Leve sobre Pneus. Mas, para Maluf, que queria fazer de Pitta seu sucessor na prefeitura (não havia reeleição), o nome era pouco chamativo.
“Quem inventou esse nome de Fura-Fila foi o marqueteiro Duda Mendonça”, explica Francisco Christovam, o então presidente da SPTrans e atual presidente do sindicato que representa as empresas de ônibus de São Paulo.
Christovam diz que o projeto técnico foi sendo apropriado por interesses eleitorais e políticos. E a ideia original, desvirtuada. Em 1999, após os primeiros atrasos na obra do então Fura-Fila, Pitta tirou Christovam do comando do projeto e da SPTrans.
Desde então, as obras chegaram a ser abandonadas, e o volume de recursos destinados ao projeto sofreu uma escalada. Marta Suplicy, então no PT e à frente de uma das quatro gestões que tocaram a obra, chegou a chamar o empreendimento de desgraceira, devido o alto custo e a baixa efetividade para sanar o caos no transporte público.
O projeto trocou de nome duas vezes e foi inaugurado da forma como está agora em 2007, na gestão Gilberto Kassab (então, do DEM), como Expresso Tiradentes.
O empreendimento bilionário demorou uma década para ser construído e atualmente transporta um número bem menor do que o estimado por gestões anteriores.
Em 2001, prometeu-se o transporte de 300 mil passageiros por dia. Em 2007, 350 mil. Mas, até hoje, o número é de 73 mil passageiros por dia (ou 87 mil na média em dias úteis). O valor contabiliza passageiros que embarcaram ao longo do BRT e também os que utilizaram os ônibus que passam por esse trecho.
Na comparação com as linhas que passam pelos outros 11 corredores de ônibus de São Paulo, o antigo Fura-Fila também fica para trás.
O conjunto de linhas do Fura-Fila é o terceiro que menos transporta passageiros na cidade. As linhas que passam pelo corredor da Santo Amaro/Nove de Julho, por exemplo, são as que transportam mais pessoas: 467 mil pessoas por dia. Isso representa mais de seis vezes o público que utiliza as linhas do BRT.
Parte dessa baixa adesão ao BRT é que ele ainda está incompleto. Em 2006, a gestão Kassab prometeu que o Fura-Fila chegaria até o bairro de Cidade Tiradentes. O prolongamento da via até o extremo leste motivou a renomeação do projeto para Expresso Tiradentes, nome que tem hoje. Nesse desenho, o BRT chegaria a ter 31,8 km de extensão.
Mas em 2009, a ideia foi cancelada, já que o Metrô anunciou o monotrilho da linha 15-prata, que percorreria o mesmo trajeto.
A estimativa era entregar o ramal por trilhos até 2012. Mas a obra ainda não está pronta. O prazo atual é de que o Metrô consiga entregar o monotrilho até o bairro de São Mateus, na metade do caminho, no fim deste ano. Não há prazo para que os moradores de Cidade Tiradentes sejam beneficiados por este ramal.
Além disso, a falta de sinalização sobre o Fura-Fila nos principais mapas de mobilidade de São Paulo, o que dificulta o planejamento de viagens.
Se o paulistano quiser sair da estação Pedro II do metrô e chegar à estação Sacomã, por exemplo, o caminho mais rápido dura 24 minutos. Nesse deslocamento, o usuário teria que embarcar em duas linhas de metrô e uma de trem da CPTM. Usando apenas linhas do metrô, o percurso é de 30 minutos. Pelo Fura-Fila o trajeto é de cerca de 15 minutos e sem baldeações.
Francisco Christovam, que esteve à frente do projeto Fura-Fila, argumenta que apesar das falhas, o Expresso Tiradentes é bem avaliado pela população por sua segurança, confiabilidade e previsibilidade do serviço. “Ainda assim, é o sistema mais bem avaliado de São Paulo pela população.”