SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta quarta-feira (26), em segunda votação, a reforma da previdência dos servidores municipais, uma das principais bandeiras do prefeito Bruno Covas (PSDB) para conter gastos com aposentadorias nos próximos anos.

O texto, que já havia sido aprovado em primeira votação na sexta (21), teve 33 votos a favor e 17 contra em mais uma sessão tensa, dentro e fora da Câmara. O projeto precisava de 28 votos para ser aprovado e vai agora para a sanção de Covas –o que deve ocorrer nesta quinta-feira (27).

Em reação à votação, servidores anunciaram greve a partir de 4 de fevereiro. A data foi escolhida por coincidir com o início das aulas na rede municipal, disse Sergio Antiqueira, presidente do Sindcep, o sindicato da categoria.

“A prefeitura quer jogar o que eles chamam de problema nas costas dos servidores, em vez de cortar do que é pago aos empresários dos transportes e aos dirigentes de organizações sociais”, disse.

Após a votação, Covas afirmou que a greve é um direito constitucional. “Caso a reforma não tivesse sido aprovada e chegasse daqui a dois, três anos numa situação de não poder pagar salários dos servidores, aí sim eles teriam muito mais justificativa para poder entrar em greve”, disse.

Momentos antes da votação, houve confusão e confronto entre servidores e guardas municipais, e um dos portões da Câmara foi quebrado.

Agentes usaram bombas de efeito moral contra manifestantes, que jogaram lixo, pedras e garrafas. A Presidência da Câmara afirmou que a Guarda Civil apenas reagiu aos manifestantes.

Após a votação, a confusão continuou: desta vez, com o relato de um vereador do disparo de arma de fogo em direção ao andar de seu gabinete.

A aprovação da reforma já havia sido tentada sem sucesso por João Doria (PSDB) antes de sair do cargo para disputar o governo paulista -na ocasião, protestos de milhares de servidores levaram ao adiamento da discussão.

Fernando Haddad (PT) também tentou discutir o tema, mas desistiu com a pressão do funcionalismo.

A reforma eleva a alíquota de 11% para 14% para servidores e estabelece um sistema complementar para quem ganha acima do teto de aposentadoria (R$ 5.645,80) do INSS.

O déficit estimado atualmente é de R$ 6 bilhões e cresce cerca de R$ 700 milhões a cada ano. A reforma deve gerar aumento de recursos de R$ 370 milhões por ano, mas não levará à eliminação do déficit no curto prazo.

Na reta final para a aprovação do texto na Câmara, Covas fez uma mudança no modelo de financiamento que abrandou parte do projeto. Com isso, membros da prefeitura admitem extraoficialmente que a reforma dará um respiro no curto prazo, mas será insuficiente no longo prazo.

Pelo sistema atual, de repartição simples, os trabalhadores da ativa custeiam os benefícios de aposentados. O plano original do tucano era adotar um sistema de capitalização para novos funcionários, no qual cada um teria uma conta, para que a previdência fosse autossustentável no futuro, sem depender da contribuição de outros servidores.

Na prática, a mudança evitaria a necessidade de complementação de verba do poder público no futuro. Mas a gestão Covas avaliou que o custo de transição seria muito alto, e que os efeitos de resolução do déficit seriam incertos.

O déficit, pelo projeto original, pararia de crescer em 2025 -e só acabaria em 2092, quando não haveria mais funcionários nesse sistema.

Com a proposta mais branda, porém, não haverá equacionamento natural do déficit.

Segundo Covas, foi a aprovação “possível” dada as limitações que o município tem para legislar sobre a questão de previdência e a ausência de uma reforma federal.

A gestão do tucano foi criticada por representantes de servidores por marcar as votações para datas próximas às festas de fim de ano. Para eles, foi uma tentativa de desmobilizar a categoria.

Na semana passada, Covas chegou a enviar um substitutivo ao texto prevendo a possibilidade de usar recursos de privatizações para cobrir o rombo da previdência.

A medida contrariava promessa de Doria, de destinar essa verba para investimentos sociais, e acabou sendo retirada pela própria base aliada.

Os recursos liberados pela aprovação da reforma devem ser usados para cobrir o buraco dos gastos na saúde municipal. Nos próximos anos, pouco deve sobrar para investir em novas obras –a atual gestão se concentra em acabar as deixadas pela gestão de Fernando Haddad (PT).

A votação ocorreu sob forte pressão nas galerias do plenário, com interrupções dos discursos dos vereadores, favoráveis ou contrários. Representantes de servidores jogaram notas falsas de dinheiro, sob gritos de “vendidos”. Apoiadores da reforma entoaram cantos de torcidas de futebol.

Além da tensão em frente à Câmara e no plenário, o vereador Fernando Holiday (DEM) disse ter sido atacado após a votação. Segundo ele, que é favorável à reforma, o ataque ocorreu na janela do quinto andar, onde fica seu gabinete, quando parou para acenar aos manifestantes.

Peritos da polícia estiveram no local. O laudo irá indicar se a perfuração é compatível com a descrição do vereador.

A Secretaria da Segurança Pública afirmou que o caso foi registrado como “disparo de arma de fogo” e “perigo à vida ou saúde de outrem”.

O boletim de ocorrência explica que isso não exclui outras possibilidades.

Segundo a Câmara, outra perfuração foi encontrada no quarto andar. Não foi encontrado projétil ou pedra nos locais, só uma bolinha de gude em uma marquise.

Conforme revelou a Folha de S.Paulo nesta quarta, tornou-se público um vídeo em que o vereador Masataka Ota (PSB) é cobrado por correligionários após ter se ausentado da primeira votação, na sexta (21).

No vídeo, o vereador disse que quando se opôs ao projeto de previdência da prefeitura perdeu 20 cargos na gestão. Após a divulgação do vídeo, a assessoria do vereador disse que Ota nunca teve indicação de cargos na prefeitura e, por isso, não poderia perdê-los.

Nesta quarta, na segunda votação, Ota votou contra a proposta da prefeitura. “O ônus da prova cabe a quem acusa. O que você pode fazer é verificar o Diário Oficial e ver se a acusação do vereador corresponde aos últimos diários oficiais do município. Eu também gostaria muito que ele explicasse”, afirmou Covas.

“Acho que está aquém da reforma previdenciária que de fato enfrentaria a questão do déficit, mas é um avanço inegável”, diz a vereadora Janaina Lima (Novo).

O vereador de oposição, Cláudio Fonseca (PPS), disse que a aprovação traz insegurança aos servidores e que há fragilidade na criação da entidade que gerenciará a previdência.

“Não tem governança sequer para a SampaPrev, que é a fundação gestora dos recursos. Vamos analisar com os nossos advogados e, havendo a possibilidade de ingressarmos com um mandado de segurança, nós faremos com certeza”.