SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A gestão Bruno Covas (PSDB) decidiu buscar aval da Câmara Municipal para utilizar recursos de privatizações de equipamentos públicos na cobertura do rombo da previdência da cidade de São Paulo.
A proposta foi incluída na nova versão do projeto de reforma da previdência dos servidores paulistanos, enviada nesta sexta-feira (21) para votação dos vereadores.
O objetivo de Covas é aprovar as mudanças, em duas votações, ainda em 2018.
A sessão para a primeira delas começou na tarde desta sexta, em meio a tumulto, bate-boca e empurra-empurra, além de protesto de milhares de funcionários públicos na frente da Câmara, mas não havia sido concluída até a conclusão desta edição.
Gargalo de diversas prefeituras pelo país, a previdência dos servidores na capital paulista tem um déficit estimado atualmente em R$ 6 bilhões e que cresce cerca de R$ 700 milhões a cada ano.
Ao assumir a prefeitura, em abril, Covas definiu a reforma como prioridade, e disse que, se não fosse feita, os impostos teriam que ser aumentados.
O texto agora encampado pelo tucano prevê a possibilidade de utilização do dinheiro levantado por meio da venda de bens, como o complexo do Anhembi ou o autódromo de Interlagos, para pagar a parte da prefeitura nas aposentadorias dos servidores (contribuição patronal) ou para cobrir a “insuficiência financeira” do regime previdenciário.
Quando concebido no início da gestão tucana, com João Doria (PSDB) como prefeito e Covas seu vice, o projeto de desestatização previa que todos os recursos levantados seriam destinados a investimentos nas áreas de saúde, educação, habitação, assistência social, segurança, transporte e mobilidade urbana.
O então prefeito, agora governador eleito do estado, defendia a desestatização com o argumento de que a gestão abriria mão de ativos para fazer investimentos sociais.
O fundo de desestatização, que, segundo Covas, deve chegar a US$ 1,5 bilhão (R$ 5,8 bilhões em valores atuais), já foi parcialmente desfigurado em maio, quando vereadores abriram a possibilidade de que o dinheiro fosse usado em prefeituras regionais, nas quais os membros do Legislativo têm forte poder de influência.
Na ocasião, o então secretário de Desestatização, Wilson Poit, colocou o cargo à disposição, mas foi convencido por Covas a permanecer no cargo até o final deste ano.
Durante sua passagem pela prefeitura, Doria repetiu várias vezes que o dinheiro das desestatizações iria para investimento, e não para custeio.
Atualmente, os equipamentos públicos mais próximos de serem passados à iniciativa privada são o Anhembi (leilão marcado para 30 de janeiro), o primeiro pacote de parques (incluindo o Ibirapuera), o estádio do Pacaembu e o mercado de Santo Amaro.
O autódromo de Interlagos ainda precisa ter sua venda aprovada pela Câmara Municipal, o que a prefeitura espera que aconteça em 2019.
Como adiantado pela Folha de S.Paulo, a nova versão do projeto de reforma da previdência municipal manteve a alta da alíquota dos servidores de 11% para 14%, assim como a implementação de um sistema de previdência complementar para quem ganha acima do teto de aposentadoria (R$ 5.645,80) do INSS.
Por outro lado, a gestão Covas abriu mão de um dos pilares da reforma: a mudança estrutural no modelo de financiamento dos benefícios. No sistema atual, de repartição simples, os trabalhadores da ativa custeiam os benefícios de aposentados atuais.
O plano original do governo Covas era adotar um sistema de capitalização para os novos funcionários públicos, no qual cada um teria uma conta individual, para que a previdência fosse autossustentável no futuro, sem depender da contribuição de outros servidores.
Na prática, a mudança evitaria a necessidade de complementação de verba do poder público no futuro, mas a gestão Covas avaliou que o custo de transição de um regime para outro seria muito alto, e que os efeitos seriam incertos.
Principais responsáveis pelo debate da previdência em âmbito municipal, os ex-secretários Paulo Uebel (Gestão) e Caio Megale (Fazenda) rejeitaram diversas vezes a retirada do sistema de capitalização do projeto. Com a saída de ambos da prefeitura e a chegada de Mauro Ricardo (Governo) e Philippe Duchateau (Fazenda), a manutenção do regime de repartição simples foi consolidada.
Segundo cálculos da prefeitura, a elevação da alíquota e a adoção do sistema de previdência complementar, que continuam no projeto, gerariam R$ 370 milhões a mais de recursos anualmente.
Pelo projeto original, o déficit pararia de crescer em 2025, atingindo um ponto de equilíbrio –e só acabaria em 2092, quando não haveria mais funcionários nesse sistema. Com a proposta mais branda, no entanto, sem a reestruturação do sistema, não haverá equacionamento natural do déficit.
A gestão Covas diz que “o artigo 44 da Lei de Responsabilidade Fiscal permite que a receita de alienação de bens seja destinada às despesas com o regime próprio de previdência, desde que autorizado por lei. A prefeitura está, portanto, fazendo uso das possibilidades que a LRF oferece”.
Diferentes organizações de representação de servidores fizeram manifestação contra a reforma em frente à Câmara.
A discussão dentro da Casa foi tumultuada, com embate entre os vereadores e críticas à estratégia da base de Covas de tentar votar o projeto às vésperas do Natal.
A galeria da Câmara, espaço destinado ao público, ficou dividida entre servidores contrários à reforma, militantes do partido Novo e do PSDB, favoráveis à reforma.
Após gritos de “reforma é confisco” e “quem votar não volta”, entre outros, a audiência chegou a ser interrompida devido à dificuldade de ouvir o que era falado pelos participantes da audiência.
“A despesa da previdência só não é menor do que educação e saúde. Já está quase duas vezes do que a gente gasta com transporte público”, argumentou o secretário da Fazenda, Philippe Duchateau.
Os vereadores Fernando Holiday (DEM) e Toninho Vespoli (PSOL) chegaram a trocar berros e empurrões.
Vereadores, funcionários e guardas municipais separaram os envolvidos na confusão. A discussão foi interrompida após o presidente da Câmara, Milton Leite, mandar guardas retirarem servidores de dentro do plenário.