Correr uma maratona, como a de domingo passado…
Além do desafio de terminar uma prova longa, temos também a alegria de acompanhar de perto algumas cenas inusitadas, pra não dizer hilárias. Como a grande maioria dos “atletas” corre apenas por prazer, temos então uma mistura de sofrimento, alegria e superação. E, lógico, muitos “causos”.
Não sei muito bem se é assim que todo praticante enxerga a prova, mas eu vejo dessa forma. Sou antes de tudo um observador.
Comecemos pelo corredor “estrela”, aquele que se acha o principal personagem da prova. Vai se sensibilizando e falando com todos que estão acompanhando a corrida, sente-se desvalorizado se alguém não bate palmas. Só falta imitar o aviãozinho do Vanderlei Cordeiro.
Há o corredor “solidário”, aquele mais velho, que já correu cem provas, sente-se mais experiente e vai incentivando os demais. O discurso é o mesmo: “Não pare. Se não você não consegue terminar, faça assim como eu.” Não chega a ser chato, mas é uma carta marcada. Parece muito com o Túlio Maravilha do futebol. Sempre fazendo graça.
Tem aquele “pessimista”: toda vez que vê uma subida, reclama da organização; quando faz muito sol ou chove, reclama de São Pedro. E por aí vai. Esse é muito parecido com o Muricy do São Paulo: vive de mau humor. Outra espécie de corredor é o “bombado”. A maratona é apenas um treino para uma outra aventura. Ele corre sempre com a cintura cheia de aminoácidos, gel, carboidratos e outros tantos. Sei lá, parece a Rebeca Gusmão, nossa nadadora suspensa.
Tem o viajante, normalmente um nordestino (sem preconceito, por favor). Vem de ônibus, fica em alojamento, o dinheiro no bolso não paga as três refeições mínimas para um atleta. A cara do indivíduo já diz tudo, mas normalmente ele faz um tempo melhor que o dos fortões. Tem a cara da Zeferina Baldaia, a nossa maratonista.
E o atleta família? Tem o perfil do indivíduo que convida até a sogra para ver a corrida. A cada três quilômetros tem alguém conhecido entregando água. Além disso, o filho sempre grita: “Vai pai, não pára, você vai ganhar”. É bem típico desse atleta. Se não for assim, o cara não corre. Vamos dizer que é uma espécie de Hamilton, o campeão de Fórmula 1: o pai (no caso dele, o filho) está sempre por perto.
Tem também o carente, pra não dizer chato. O cara vai chegando devagarzinho e não demora muito para perguntar: “Em quanto tempo pensa em terminar a prova? Vamos juntos?” Pô, imagine você que não agüenta nem com o peso do corpo, não está pensando em nada e chega alguém e pergunta isso? Só pode ser parecido com aquele amigo chato. Qual? Todo mundo tem um.
Por último, pelo menos do que me recordo, o furão. O atleta que entra nos últimos dez quilômetros, com o número da inscrição no peito, joga um pouco de água na cabeça e faz cara de cansado. Assim mesmo, acelera no final para sair bem na foto e ainda tem coragem de receber a medalha e dizer para os amigos que é maratonista. Esse se parece com o Valério, o homem do escândalo de Brasília.
Por isso que a dúvida sobre o conceito de movimento mexe com nossas proposições de vida. Movimento é biológico, é filosófico, é antropológico. O que é movimento?
Esta coluna é de responsabilidade do professor de Educação Física Carlos Mosquera – [email protected]