Gracie, judô e a modernidade

Carlos Mosquera

Antes de qualquer interpretação, quero dizer que a morte do lutador Ryan Gracie não é o resultado da prática do vale-tudo, foi um acontecimento isolado, acontece em qualquer área uma morte como essa. Feita a introdução, gostaria de comentar neste espaço sobre o encontro que tive no início desta semana, sem nostalgias, obviamente. Em sua última carta Goethe escreveu: “Os antigos diziam que os animais aprendem por meio de seus órgãos; permitam-me acrescentar que também os homens o fazem, mas têm a vantagem de, em troca, ensinar seus órgãos”.
Isso para dizer que, para um encontro com ex-judocas, depois de muitos anos sem nos encontrarmos, só com uma boa comida para reunir tanta gente. O mentor do encontro da geração de talentos, na qual não me incluo, é certamente o mestre de todos: Ney Mecking, talvez o grande responsável pela evolução do judô no estado do Paraná. Aquela geração dos anos 80, em nosso estado, foi campeã de todos os torneios de que participava, era uma “febre” de praticantes do “caminho suave”.
De maneira profundamente religiosa, praticávamos o judô com objetivos claros: competições e estilo de vida, que incluía saúde e meditação. Na oportunidade, observei, mesmo há muito tempo sem saber dos meus “adversários”, que o esporte, se não deixa medalhas, deixa uma puta saudade dos tempos de atleta, dos tempos do amor em se exercitar com a concentração no autodomínio e na superação de si mesmo.
É extraordinário acompanhar a evolução das artes marciais, embora ainda existam poucos centros que preservam estas características. Hoje acompanhamos a ascensão do vale-tudo, muitos lutadores fazendo fortunas e sendo referência para muitos jovens. Nesta lacuna de tempo, as verdadeiras artes marciais como karatê, judô, kempo, tai chi chuan foram desaparecendo, ou melhor, diminuindo sua influência no mundo ocidental, reflexo direto da nossa sociedade de consumo, aquela coisa do imediatismo.
Alguns podem alegar que o judô, ao contrário, nunca ganhou tantas medalhas em campeonatos mundiais como agora. Não deixa de estar certo esse raciocínio, mas não temos uma base para dar continuidade a esta geração que agora se apresenta como vencedora, ao contrário das anteriores, em que despontaram Aurélio Miguel, Rogério Sampaio, Douglas Vieira, Walter Carmona e outros.
Com isso, e numa velocidade estonteante, que derrubaria qualquer um pela sua voracidade, entrou o vale-tudo, angariando jovens promessas e atletas sem culpa da prática do esporte pelo esporte, sem intenção nenhuma de meditação ou espírito competitivo.
O que vale mesmo é a vitória a qualquer custo. Acho que a modernidade trouxe mais esta reflexão com os ex e os atuais praticantes de lutas: “lutar para se aperfeiçoar” ou “se aperfeiçoar para lutar”?  São tantas as opções hoje em dia que, se você, amigo lutador, se interessar por um caminho ideal na prática de lutas, acho melhor começar a procurar desde já, senão fica difícil começar no próximo ano.