A nova animaĂ§Ă£o da Pixar, Elemental, sĂ³ deve estrear mundialmente em 16 de junho de 2023, mas espectadores privilegiados jĂ¡ declaram sua admiraĂ§Ă£o pelo filme.
“Nunca vi nada igual, pois Ă© um desafio apresentar como personagens os elementos bĂ¡sicos da natureza”, comenta Raquel Bordin, brasileira que hĂ¡ quase dois anos Ă© funcionĂ¡ria da empresa americana. “Os criadores conseguiram um grande feito.”
Aos 34 anos, Raquel trabalha no departamento editorial da ala internacional da Pixar, Ă¡rea responsĂ¡vel pelo marketing e pelas versões internacionais das produções. Ela cuida, por exemplo, dos primeiros trailers e features de cada animaĂ§Ă£o, ou seja, uma funĂ§Ă£o estratĂ©gica por apresentar o primeiro cartĂ£o de visitas de cada animaĂ§Ă£o, com a funĂ§Ă£o de despertar o interesse inicial do pĂºblico pelo trabalho.
TRAILER
“Senti um frio na barriga quando o primeiro trailer foi apresentado para toda a direĂ§Ă£o da Pixar, em um grande cinema que existe na empresa, na CalifĂ³rnia. A aprovaĂ§Ă£o deles Ă© necessĂ¡ria para a continuaĂ§Ă£o do trabalho.”
Felizmente, o OK foi dado e as informações iniciais de Elemental foram fornecidas na D23, convenĂ§Ă£o realizada em setembro em Anaheim, onde foram apresentados os prĂ³ximos projetos do grupo, capitaneado pela Disney.
Raquel falou sobre seu trabalho na 9ª Mostra de Cinema de Gostoso, realizada na cidade de SĂ£o Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte. Antes, ela conversou com o EstadĂ£o. “Comecei a estudar cinema na Faap, mas saĂ sem concluir o curso, em 2009. Antecipei, assim, meu projeto de terminar a formaĂ§Ă£o nos Estados Unidos.”
Ela terminou a faculdade em Nova York e em Los Angeles, onde se manteve com sacrifĂcio, almoçando e jantando pipoca nos momentos de maior aperto. “Comecei a trabalhar ainda no Brasil como editora de filmes na produtora do pai de uma amiga, que realizava filmagens de casamentos. Eu estava com 18 anos”, relembra Raquel, que descobriu os principais macetes da profissĂ£o durante o ano em que trabalhou no departamento comercial do Google, jĂ¡ nos EUA.
“Aprendi tĂ©cnicas essenciais sobre como construir uma peça de divulgaĂ§Ă£o de pouco mais de um minuto: a importĂ¢ncia dos seis segundos iniciais para despertar a atenĂ§Ă£o do consumidor, o momento de valorizar a marca do produto para ser memorizada”, conta ela que, depois de passar por um processo envolvendo 600 candidatos, foi a escolhida para trabalhar na Pixar, em fevereiro de 2021, apĂ³s se submeter a uma entrevista que durou oito horas com 11 profissionais, alguns ilustres proprietĂ¡rios de estatuetas do Oscar.
Foi a descoberta de um universo fantĂ¡stico e, ao mesmo tempo, exclusivo. “A Pixar desenvolve tecnologia prĂ³pria, um software de uso exclusivo, ou seja, sĂ³ quem estĂ¡ lĂ¡ Ă© que sabe como proceder.”
Raquel se mudou para Oakland, na CalifĂ³rnia, onde iniciou seus primeiros projetos na empresa, começando com a animaĂ§Ă£o Luca, que estreou mundialmente em junho do ano passado.
“É importante ressaltar que cada projeto consome cerca de seis anos de trabalho, desde a aprovaĂ§Ă£o da ideia atĂ© a estreia. Eu normalmente trabalho no Ăºltimo ano da produĂ§Ă£o”, conta. “Na maioria das vezes, pouco do filme estĂ¡ definido e Ă© basicamente sobre esse material que criamos as primeiras peças de divulgaĂ§Ă£o.”
O grau de precisĂ£o exigida Ă© tamanho que, em Luca, Raquel cometeu um pequeno deslize que seria imperceptĂvel para qualquer espectador, mas que foi visto pelos tĂ©cnicos da Pixar. “ExcluĂ os primeiros oito frames do trailer, algo que corresponde a apenas meio segundo na projeĂ§Ă£o, mas que exigiu que parte da equipe trabalhasse em hora extra para corrigir em tempo. Serviu como um grande aprendizado.”
Em seguida, Raquel participou da divulgaĂ§Ă£o de Red: Crescer Ă© uma Fera, que estreou em março de 2022. “Foi um trabalho tranquilo, que apenas exigiu muitas revisões por parte da empresa”, conta ela que, entre suas atribuições, estĂ¡ a de adaptar pequenos detalhes nas cĂ³pias internacionais, ou seja, a palavra “pharmacy” Ă© trocada por farmĂ¡cia, no filme que circula no Brasil. “TambĂ©m Ă© possĂvel que os nomes dos personagens sejam aproximados para a cultura local.”
JĂ¡ em Lightyear, que estreou em junho deste ano, o problema envolveu toda a empresa por causa de um discreto beijo gay entre Hawthorne e sua esposa. “Antes da decisĂ£o final, oscilaram mais de 30 vezes entre deixar e cortar, o que atĂ© envolveu movimentaĂ§Ă£o dos funcionĂ¡rios, que eram contra a exclusĂ£o. Quando finalmente se decidiu pela manutenĂ§Ă£o, o filme foi proibido em 14 paĂses, o que afetou o faturamento, abaixo da expectativa.”
Foi um passo importante da corporaĂ§Ă£o, acredita Raquel, na busca de maior representatividade em seus produtos. “JĂ¡ hĂ¡ departamentos que trabalham na variaĂ§Ă£o da cor preta da pele, pois a tendĂªncia Ă© a de aumentar uma participaĂ§Ă£o mais ampla.”
Finalmente, chegamos a Elemental, o 27º filme da Pixar que, de uma certa forma, segue a linha de Divertida Mente: enquanto nesta animaĂ§Ă£o os sentimentos ganham o formato de personagens, agora Ă© a vez dos elementos da natureza.
O longa se passa em uma cidade onde moradores de fogo, Ă¡gua, terra e ar vivem juntos. Os personagens principais sĂ£o Ember, uma jovem foguinho impetuosa, e Wade que, embora feito de Ă¡gua, descobre o quanto eles tĂªm em comum, apesar das aparentes diferenças.
‘ELIO’
“É uma histĂ³ria muito original e foi bem resolvida no roteiro”, observa Raquel, que jĂ¡ se debruça sobre o prĂ³ximo trabalho, Elio, previsto para 2024 e, segundo ela, ainda mais empolgante que Elemental. Ela nĂ£o pode divulgar nada ainda sobre a animaĂ§Ă£o, apenas que se trata do garoto Elio, de 11 anos, que Ă© transportado pela galĂ¡xia e confundido com o embaixador intergalĂ¡ctico do planeta Terra.
“SĂ³ posso dizer que Ă© fascinante”, conta Raquel, que contabiliza um total de 15 brasileiros trabalhando hoje na Pixar, que tem cerca de 2 mil funcionĂ¡rios. “É um nĂºmero significativo, pois diversos paĂses importantes nĂ£o tĂªm representantes lĂ¡”, comenta ela, que pretende trabalhar no Brasil. “Gosto da visĂ£o romĂ¢ntica com que o cinema Ă© visto no Brasil, como exemplo de resistĂªncia. Mas aprendi nos EUA que se trata de uma indĂºstria e Ă© tambĂ©m preciso mirar o lucro. Meu desafio serĂ¡ conjugar o ideal com o prĂ¡tico.”
As informações sĂ£o do jornal O Estado de S. Paulo.