Toda verdade tem no mínimo duas versões. Clint Eastwood, 77 anos, 28 filmes como diretor, 45 como ator e herdeiro supremo do legado clássico de John Ford é o único cineasta vivo que pode se dar ao luxo de honrar os dois lados de uma história. Enquanto filmava A Conquista da Honra, sobre o confronto entre soldados americanos e japoneses em uma ilha do Pacífico, percebeu que tinha em mãos apenas uma versão do conflito. Criou um filme espetacular sobre heroísmo e manipulação da verdade. Mas faltava o outro lado da batalha deixou 7 mil americanos e 20 mil japoneses mortos.
A versão dos dias que se seguiram à invasão das tropas americanas na ilha e a heróica resistência dos soldados japoneses está em Cartas de Iwo Jima. Mais que o lado B da batalha ou complemento de A Conquista, a produção demonstra a sensibilidade de um artista que sabe se colocar no lugar do inimigo, compreende-lo e até admirar suas virtudes. Não é pouco, para o mundo hollywoodiana que sempre se pautou pelo discurso do vencedor. Falado em japonês, o filme mostra o cotidiano das tropas japonesas na defesa da ilha, sob o comando do tenente-coronel Tadamichi Kuribayashi, interpretado com dignidade por Ken Watanabe.
Sua missão é quase impossível, para não dizer suicida. Ele tem que enfrentar o desânimo da tropa, resistência de oficiais conservadores, equipamentos obsoletos, munição escassa, escassez de alimentos e água. A seu favor está o fato de ter estudado nos EUAe ser capaz de compreender a estratégia americana. Como o diretor, o personagem sabe que o segredo da compreensão está na habilidade de se colocar no lugar do outro, decisão que se revela acertada. Uma batalha prevista para cinco dias dura um mês, graças à complexa rede de túneis que Kuribayashi faz cavar na ilha.
Baseado em fatos reais, o filme refere-se às cartas que o verdadeiro tenente-coronel escreve à sua família. Militar rigoroso, mas justo, ele revela-se pai e marido amoroso. Como o filme também acompanha o cotidiano do andar de baixo – com uma fotografia em tom cinzento, o que torna soldados pequenos grãos de areia anônimos, quase da mesma coloração da paisagem – cabe ao jovem padeiro Saigo se corresponder com sua jovem esposa grávida, declarar sua total descrença na guerra e manter-se vivo apenas com a esperança de conhecer seu filho.
É seu o ponto do vista dos que lutam por obrigação e estão presos a uma cultura medieval. As cartas que os dois escrevem são uma desesperada tentativa daqueles combatentes em vencer a morte certa, o que faz do filme um libelo à palavra escrita. À efemeridade dos conflitos humanos, a eternidade de cartas para entes queridos. Este tom de resistência fica claro na abertura do filme, no presente, quando pesquisadores escavam o solo negro da ilha e encontram centenas de cartas não enviadas – últimos discursos de quem antevia o final trágico mas ainda lutava por alguma eternidade, mesmo que seja na lembrança dos que ficam.