Os jovens Cecília (Giovanna Lancellotti) e Rafa (Jonatas Faro) se acariciam numa balada e ao chegar em casa, vão direto para o quarto. Na suíte, se beijam, o rapaz tira a roupa da moça e, num corte brusco, entram imagens de Copacabana. Em seguida, a socialite Eunice (Deborah Evelyn) encontra o amante Ismael (Juliano Cazarré) e os dois se beijam na cama. E tudo para aí. Num outro quarto da mesma Insensato Coração – a novela das 9 da Globo -, a sensualização é controlada. Norma (Gloria Pires) e Leonardo (Gabriel Braga Nunes) aparecem apenas com peças íntimas e, em segundos, eles acordam num outro dia. Nem um beijo ou amasso a mais. Gilberto Braga, o mesmo autor que escreveu tantas transas picantes entre Olavo (Wagner Moura) e Bebel (Camila Pitanga) em Paraíso Tropical (2007), hoje só insinua, sugere. Ele e todos os outros novelistas de outros horários.
As novelas vão ficar mais leves? Sim, esse parece ser o caminho. Personagens totalmente nus, cenas mais erotizadas, tendem a migrar para as minisséries, séries e novelas que irão entrar no ar depois das 23h. O Astro é um bom exemplo dessa tendência. Nas duas semanas em que o remake está no ar, já foram exibidas duas transas. Na primeira, entre a assessora Beatriz (Guilhermina Guinle) e o empresário Samir (Marco Ricca), até um dos seios da atriz foi mostrado. A segunda, entre os protagonistas Herculano (Rodrigo Lombardi) e Amanda (Carolina Ferraz) – que ficaram nus, envolvidos num lençol branco. Alcides Nogueira, responsável pela adaptação do folhetim de Janete Clair (1925-1983), diz que irá aproveitar a classificação de 16 anos. Como é mais tarde, há a possibilidade de exercitarmos a sensualidade, mas mantendo o bom gosto, frisa o novelista.
Segundo o Manual de Classificação Etária, publicado pelo Ministério da Justiça em 2009, o selo de 16 anos, dentro do critério sexo e nudez, permite, por exemplo, que um casal mantenha relação sexual, mas sem que haja conteúdo explícito. Enquanto isso, Insensato Coração, que tem classificação de 12 anos, segundo o manual pode ter insinuação sexual. Na prática, permite que um casal se beije, comece a tirar a roupa e depois apareça entre os lençóis. É muito difícil ter a medida exata, vou mesmo é na intuição, e conto com a sensibilidade dos diretores, explica o novelista Gilberto Braga.
Na visão da professora Maria Immacolata Vassalo de Lopes, titular da Escola de Comunicações e Artes da USP e responsável pelo Núcleo de Telenovelas da universidade, a teledramaturgia passa por uma transformação. Antigamente, tínhamos novelas das 8 com sexualidade explícita. Hoje, existe mais vigilância, diz ela. Para ela, essa fiscalização do Ministério da Justiça é reflexo da evolução da sociedade. Acho que isso é respeitar a cidadania e os direitos do consumidor. Já Claudino Mayer, autor do livro Quem Matou – O Romance Policial na Telenovela, enxerga o tal respeito como uma nova tendência. Agora, as novelas não mostram nada, adotaram a moda de insinuar. Nunca mais teremos cenas como aquelas do Edu Moscovis e da Letícia Spiller em Senhora do Destino (2004), relembra. Para ele, as novelas ficarão mais românticas.
Para quem escreve — O Ministério da Justiça alega que a classificação indicativa tem a competência de fortalecer a responsabilidade entre Estado, família e sociedade. Para Walcyr Carrasco, que escreve a trama das 7, Morde & Assopra (Globo), a classificação não é indicativa, mas obrigatória. A classificação tornou-se censura. Na prática, se a novela não cumpre as regras ditadas pelo departamento do Ministério da Justiça que lida com a classificação, tem que ser mudada de horário, afirma. Até por isso, em quatro meses de trama, somente uma vez Carrasco escreveu uma cena mais quente. Cada vez mais a questão sexual está restrita na novela, completa o autor.
Também para atender aos padrões, Tiago Santiago, autor de Amor e Revolução(SBT), parou no beijo gay entre as personagens das atrizes Luciana Vendramini e Giselle Tigre. Resolvemos não insistir em novas cenas de beijos e carícias homossexuais para não correr o risco de perder a audiência mais conservadora, diz ele. Na Record, a situação é a mesma. Cristianne Fridman, autora de Vidas em Jogo, não concorda com o tal manual, mas o segue. Em Poder Paralelo (2009), tiveram dezenas de cenas quentes, lembra Claudino Mayer. Agora, só insinuação. Acho que autores e emissoras têm discernimento sobre os conteúdos apropriados ou não a determinados horários, diz Cristiane. Uma discussão que só leva a crer que o horário das 23h passará a ser bem disputado. Afinal, qual novelista vai se recusar a escrever para um horário com censura de 16 anos?
O sexo nos programas
Enquanto as novelas sofrem restrições, nos programas o assunto é discutido à vontade. No SBT, na Record, na Globo, em todos os canais. Nos telejornais ou programas de variedades. Na Globo, o Amor & Sexo, apresentado por Fernanda Lima, exemplifica bem isso. Lá, ela fala de sexo oral e os convidados comentam até sobre vibradores. No dia em que os atores Flávia Alessandra e Otaviano Costa estiveram na atração, por exemplo, a atriz revelou que lida bem com o vibrador, cujo uso não desperta ciúmes no marido. O diretor da atração, Ricardo Waddington, explica que o programa tem por objetivo falar de sexo abertamente. Assim como no Altas Horas. Lá, a sexóloga Laura Muller aborda a temática há cinco anos. Vejo que cada vez mais o jovem está desinibido nas perguntas, diz Serginho Groisman. (A.N.)