Ainda faltam dois meses para o apresentador debochado e desbocado João Gordo, ex-MTV, estrear como contratado da emissora do bispo Edir Macedo no programa “Legendários” e uma repercussão já ecoa forte como os ácidos acordes do punk. De um lado, fãs do apresentador e companheiros da banda punk Ratos de Porão, que Gordo lidera, estranham a suposta postura vira casaca de um ex-aliado que agora teria se ‘vendido ao sistema’. Do outro, oposto, artistas o defendem alegando liberdade de expressão.

“Essa notícia (de João Gordo na Record) foi um chute no saco de muitos, muita gente está indignada”, diz Renato Ferreira, punk e universitário desempregado de 22 anos. “Nos shows, o Gordo sempre falou mal dos pastores.”
Em sua revolta, o fã lembra de uma canção de 1991 chamada “Universal Church” (Igreja Universal), de autoria do próprio João Gordo: ‘Nas mãos de um charlatão, você é um imbecil / Fanáticos, doentes de lavagem cerebral / Por trás dessa bondade existe sexo e poder / Promessas do inferno da Igreja Universal’. “É aquela história, ‘faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’. No movimento punk, você tem que seguir suas ideias. Com certeza vai ter boicote de fãs”, diz Ferreira.

João Gordo foi procurado pela reportagem, mas informou que, por contrato com a emissora, não estava ainda liberado para dar entrevistas. A Record também informou à reportagem que não iria dar detalhes sobre o programa “Legendários” nem sobre seus contratados.

Jovens punks mais radicais acreditam que a ida de Gordo para a emissora da Igreja Universal é um ‘factoide da mídia capitalista’. “Até parece que o Gordo iria pra essa TV aí que você falou”, desdenhou o punk que se identificou como Robson, 23 anos. “Só acredito vendo. É invenção. Ele não faria isso. Ainda mais na Record. Só acredito quando vir ele na TV.”

Integrante do Ratos de Porão, o baterista Boka dá de ombros. “Eu odeio TV, não vejo, então pra mim tanto faz se ele aparecer na MTV, na Record, na Globo. É tudo a mesma coisa.” Mas o apelo dos fãs o sensibiliza: “O que o Gordo faz fora da banda é problema dele, mas ele é uma pessoa pública, então se os fãs acharem que ele deve explicação, ele vai ter que dar. Ainda mais se o programa for uma m….”

Na Record, quem opina sobre a contratação de João Gordo é Rodrigo Carelli, diretor do reality “A Fazenda”. Ele acredita que a emissora sai perdendo se tentar domar a boca suja do apresentador. “Acho burrice chamar o cara que é consagrado por um estilo próprio e forçar uma mudança. Acho mais provável que ele tenha liberdade para falar o que pensa”, diz o diretor, que trabalhou por nove anos na MTV. Se não dá para afirmar que Gordo vai cortar os palavrões na nova casa, o certo é que os Ratos de Porão não vão mudar o repertório. “Vamos continuar cantando Universal Church como sempre fizemos. No show a gente canta o que quer, não vamos parar por causa dele, porque eu ainda concordo com essa letra”, diz Boka.

A provocação da plateia nos shows deve aumentar. “No ano passado, uns guris jogaram alguma coisa no palco com o logo da MTV. O Gordo pegou aquilo e esfregou na bunda, o público ficou enlouquecido. Mas esse tipo de coisa nos shows só vai piorar”, prevê o fã Renato Ferreira. Boka, o baterista, não vê problemas. “Vão chiar por causa disso? O som é tão alto que a gente nem vai ouvir.” Na cena musical, o clima é de apoio. Clemente, líder da banda punk Inocentes, se inclui entre os ‘traidores’. “O João Gordo é um traidor há mais de uma década, muito antes de surgir essa conversa de Record”, diz o músico. “Assim como eu também sou traidor. Se o Gordo se vendeu para a Igreja do bispo, eu me vendi para o mercado, então dá na mesma. Não é o punk que paga as contas do cara, ele tem filho pra criar.”