Cultura cultura japonesa

Curitibana retrata cotidiano dekassegui em ‘Venha ver a revoada’

Editado por Alana Morzelli
Registros da viagem até Gunma (1)

Registros da viagem até Gunma/ Divulgação

Embora quase 286.557 brasileiros documentados morem hoje no Japão, segundo autoridades locais, e milhares de outros tenham habitado o país desde a década de 1980, ainda há escassez de obras de ficção em qualquer idioma que deem visibilidade a essa travessia migratória e à realidade de quem circula entre dois territórios.

A escritora Rafaela Tavares Kawasaki e sua família fizeram parte desse movimento. Durante 14 anos de sua infância, adolescência e início da vida adulta, ela viveu no Japão, chegando a trabalhar em fábricas da província de Gunma-ken. Essa experiência motivou seu interesse em escrever um romance sobre migração, trabalho e deslocamentos Brasil–Japão. Assim nasceu Venha ver a revoada, projeto selecionado e apoiado pelo Itaú Cultural no edital Rumos 2023-2024.

Realizado ao longo de aproximadamente um ano, o projeto envolveu pesquisa, escrita e preparação do livro, além da abertura das etapas de criação. Entrevistas, relatos e reflexões sobre a condição dekassegui foram compartilhados em redes sociais e na newsletter Plano de Voo, compondo um registro público do processo.

“Cada diáspora e fluxo migratório tem suas particularidades. Cada pessoa migrante tem seus sonhos, angústias e realidade. Mas também penso que escrever personagens com essa vivência de travessias alarga o potencial de fazer com que as pessoas leitoras reflitam sobre outras chegadas e trajetórias pelo mundo.”

Para compor o romance, Rafaela conversou com pessoas que passaram pela experiência da ida ao Japão, leu obras relacionadas ao tema, revisitou suas memórias e realizou uma viagem à região de Kanto, onde ficam cidades de Gunma-ken e a capital, Tóquio. O deslocamento e a estadia tiveram também o apoio do Itaú Cultural, por meio do edital Rumos 2023-2024.

Venha ver a revoada aborda relações afetivas e existenciais no fluxo migratório Brasil–Japão. A narrativa é dividida em quatro partes, estruturadas como novelas interligadas. As tramas acompanham personagens em diferentes fases da vida, desde a infância até a maturidade, passando por experiências de deslocamento, fragmentações familiares, cotidiano fabril, conflitos de identidade e cuidado em situações de vulnerabilidade.

No centro da narrativa está a história de uma nipobrasileira que retorna a Gunma-ken vinte anos após ter vivido ali. Ao revisitar a região e conviver novamente com familiares, enfrenta uma dúvida que marcou sua infância. A mudança provoca uma cisão com a filha de cinco anos, deixada no interior de São Paulo. Sua realidade se transforma ao conhecer uma garota trans brasileira, dez anos mais jovem, e acreditar que possa ter encontrado sua meia-irmã perdida.

As personagens vivem nesse entrelugar em que português e japonês se misturam e criam barreiras de comunicação. Essa fricção atravessa a linguagem do romance, que mescla o português brasileiro ao “dekasseguês”, variante usada por migrantes que incorpora termos japoneses.

“Com o romance, pretendo amplificar vozes com uma narrativa tecida para retratar as particularidades da linguagem, das relações, das identidades múltiplas e das memórias dekasseguis. Contar nossa história é um ato que tem uma força.”

Outro eixo do livro é a estética do cotidiano, que se debruça sobre objetos, lugares e gestos diários.

“Uma intenção forte que quero propor para a narrativa do livro é carregar a prosa com percepções e atividades ligadas a elementos que podem parecer banais. Mas quero que um eixo da escrita seja justamente essas experiências que acreditamos serem apenas ordinárias.”

Atualmente em fase de revisão e produção editorial, Venha ver a revoada conta com ilustrações e capa de Natasha Tinet, edição de Bárbara Tanaka e Guilherme Conde Moura (Telaranha Edições), revisão de Maria Lígia Puppi Freire e Mariana Marino (Almateia Revisões) e vídeos do artista audiovisual João Roberto. O lançamento está previsto para 2026. Ensaios e materiais sobre o processo já estão disponíveis na newsletter e nas redes sociais: revoada.substack.com e instagram.com/venhaverarevoada.

Sobre a autora

Rafaela Tavares Kawasaki (Araçatuba – SP, 1987) vive em Curitiba desde 2019. É autora dos livros Enterrando gatos (Editora Patuá, 2019), Peixes de aquário (Editora Urutau, 2021), finalista do Prêmio Mix Literário, e Memórias de Água (Telaranha Edições, 2025), realizado por meio da Lei Paulo Gustavo. Integra o coletivo literário Membrana. Seu trabalho Venha ver a revoada – projeto de criação aberta de romance sobre migração brasileira no Japão – foi selecionado pelo edital Rumos Itaú Cultural 2023-2024. Identidade, memória, imigração e família são temas centrais em sua obra.