Do underground ao palco: a trajetória das mulheres no rock de Curitiba

Levantamento inédito reúne três décadas de memórias, lutas e conquistas femininas na cena musical curitibana

Agência Escola com edição de Alana Morzelli
banda

Banda As Diabatz. Foto: Billy Tombstone

No início de 2025, Curitiba foi oficialmente declarada, por meio de uma lei municipal, a “Cidade Mais Rock and Roll do Brasil”. E não é à toa: a capital abriga inúmeras iniciativas, bares e restaurantes com forte ligação com a cultura do rock. De nomes icônicos como Relespública ao palco emblemático da Pedreira Paulo Leminski, as esquinas curitibanas respiram o gênero musical, mesmo que muitas histórias tenham se perdido com o tempo.

Com o intuito de resgatar parte dessa memória, a pesquisadora e cientista social Carolina de Andrade Cardoso dedicou sua dissertação de mestrado, “Mulheres rockeiras: trajetória no underground curitibano: 1990-2020”, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a narrar a trajetória de mulheres pioneiras no rock de Curitiba. O trabalho teve orientação de Paulo Renato Guérios, professor do Departamento de Antropologia da UFPR.

Nas entrevistas — ora formais, ora em conversas descontraídas — Acácia, Hortênsia e Violeta reconstroem suas memórias como personagens importantes do rock na cidade. Elas falam do encanto ao segurar um instrumento pela primeira vez, das primeiras notas, dos ensaios improvisados e dos laços de amizade que moldaram suas carreiras. Entre lembranças afetuosas, revelam também as sombras da cena musical: conflitos entre mulheres, episódios de abuso e violência, além das barreiras impostas por serem LGBTQI+ ou por se envolverem afetivamente com músicos locais.

A maternidade, tema recorrente nos depoimentos, surge como um divisor de águas, ao impor desafios adicionais à permanência nos palcos. Cada uma conta como reinventou a própria trajetória após términos de relacionamentos ou situações de hostilidade. O estudo traz ainda um levantamento inédito, com o mapeamento de bandas curitibanas majoritariamente femininas, desde a década de 1990 até os dias atuais.

A escolha do tema por Carolina não foi por acaso. Sempre interessada na área, iniciou os estudos ainda na graduação. Em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), pesquisou bandas formadas por mulheres em Curitiba. Mais do que pesquisadora, é baterista e frequentadora da cena do rock curitibano, seja como espectadora, seja como parte ativa da comunidade. “Meu trabalho de conclusão de curso já foi sobre as mulheres no rock em Curitiba, justamente porque eu faço parte dessa cena. Eu sou uma frequentadora, já tem mais de 20 anos que eu frequento”, afirma.

Para contar essa história da melhor maneira possível, definiu como objetivo central a coleta de relatos orais e histórias de vida de mulheres ligadas ao rock local. Fez questão de incluir as falas originais, com citações longas, em um trabalho que concilia antropologia e jornalismo. Além das entrevistas e da participação em eventos, utilizou o documentário “Punks na Cidade” como referência histórica. A pesquisa de Carolina é, antes de tudo, um retrato profundamente urbano, com o centro de Curitiba como cenário constante. Ali estão alguns dos palcos mais emblemáticos do rock underground local, como o Lino’s Bar e o 92 Graus, espaços que ajudaram a escrever parte dessa história e que ganham destaque em sua dissertação.

No levantamento realizado, a pesquisadora identificou 41 bandas femininas ativas na cidade entre 1990 e 2024. Mais do que números, a lista representa um gesto de reparação histórica, diante do apagamento dessa trajetória ao longo do tempo. “O mais gratificante de tudo é não só escrever sobre isso, mas ter um retorno da tua pesquisa. […] Pra nossa cena, que é pequena aqui em Curitiba, é uma importância muito grande”, destaca.

Um dos achados mais contundentes da pesquisa é a diferença marcante entre ser uma mulher no rock curitibano nos anos 1990 e nos dias atuais. Naquela época, o cenário era permeado por preconceito de gênero: era comum enfrentar abusos psicológicos e, em alguns casos, até físicos. A objetificação também era frequente, muitas vezes mulheres eram avaliadas mais pela aparência física do que pelo talento musical. A união entre elas era escassa, marcada por rivalidades em um ambiente dominado por referências masculinas. Além disso, havia poucas oportunidades de apresentação, já que bares e festivais raramente aceitavam bandas femininas. Para Carolina, “lá atrás, as mulheres sofriam muito mais preconceito de gênero […] Hoje, a gente se apoia. A gente entende que tem espaço para todo mundo na cena.”

Gabriel Costa, sob supervisão de Maíra Gioia para Agência Escola UFPR