De todas as cenas de O Hobbit – A Batalha dos Cinco Exércitos, uma das mais interessantes era uma que não constava no livro. A do elfo Galadriel, ao resgatar o mago Gandalf das garras dos lacaios de Sauron, dizia a eles que não estava sozinha. Entram em cena outro rei elfo, Elrond, e outro mago, Saruman. Com eles do lado, não fica difícil para as forças do bem darem uma surra nos reis-bruxos. O Mago Branco, especificamente, tem uma cena de luta impressionante em que dá alguns saltos mortais enquanto derrota três inimigos em sequência (Dublês? Efeitos digitais? É Saruman que está na tela, oras…). Após a batalha, ele bravateia: Deixem Sauron comigo. Na cronologia da Terra Média, isso ocorria antes de Saruman debandar para o lado de Sauron, claro.

Peter Jackson devia essa cena a Christopher Lee, que interpreta Saruman. Não apenas porque deletou todas as suas cenas em O Retorno do Rei. Mas também porque, de todo o elenco da saga O Senhor dos Aneis, é Lee quem tinha mais envergadura — e não apenas porque ele mede 1,96m.

Claro que, para Christopher Lee, não foi difícil vencer o combate. Provavelmente fiz mais lutas de espadas que qualquer outro ator, disse o ator, que completa 93 anos no dia de hoje. Não é difícil acreditar que a frase seja verdadeira. Desde sua primeira aparição — em Caleidoscópio, uma série de TV datada de 1946 — até o dia em que deu uma coça nos reis-bruxos, Christopher Frank Carandini Lee se envolveu em 278 produções (fora três que saíram depois). Isso inclui de filmes a trabalhos de dublador de personagens que ele mesmo eternizou, como Saruman.

Lee disse a tal frase quando interpretava o conde Dooku, ou Darth Tyrannus, um lorde sith de dois filmes da saga Star Wars. No caso, o ator londrino pôde empunhar a mais elegante espada já vista no cinema: o sabre curvo de luz vermelha de uma galáxia muito, muito distante. Com ela, derrotou dois Jedi de uma vez só e foi páreo duro para ninguém menos que Yoda (em O Ataque dos Clones). Só pereceu em um combate com um Anakin Skywalker já encaminhado para o lado negro da Força (em A Vingança dos Sith).

Com seu porte imponente e sua cara de mau, Lee virou figurinha fácil em papéis de filmes de terror. Somente Drácula, foram onze — o primeiro deles, O Vampiro da Noite, em 1958. Parei de aparecer como Drácula em 1972, porque em minha opinião a apresentação desse personagem se deteriorou, particularmente nesses filmes que o trazem para o mundo contemporâneo, chegou a declarar. Ele também fez o monstro de Frankenstein em A Maldição de Frankenstein (1957) e também foi uma múmia, em A Múmia (1959), ente outros papéis do que ele mesmo chama de cinema fantástico. A marca nesse gênero foi tão grande que Tim Burton, um diretor notabilizado pelo estilo gótico e pelos personagens exóticos, sempre arrumava um papel para Lee em seus filmes (A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, A Fantástica Fábrica de Chocolate), nem que seja apenas para fazer uma voz (A Noiva Cadáver, Alice no País das Maravilhas).

A longa lista de caras maus não para por aí. Christopher Lee foi Scaramanga, o tal Homem da Pistola de Ouro que enfrentou James Bond (Roger Moore) em 1974. Um ano antes, como o perigoso espadachim Rochefort, comandava a guarda do cardeau Richelieu em Os Três Mosqueteiros — um filme esquecido, mas que, pelos vários nomes consagrados do elenco (Oliver Reed, Richard Chamberlain, Michael York, Geraldine Chaplin, Charlton Heston), vale uma espiada. Também há cinco filmes dele como Fu Manchu, um dos primeiros estereótipos de gênio do crime no cinema.

Lee não apresenta muitos papéis de caras bons. Pode-se citar três filmes dele como o detetive Sherlock Holmes (e mais um como Mycroft, o irmão de Sherlock), alguns reis, um cientista louco (em Gremlins 2) e um sensível livreiro em A Invenção de Hugo Cabret — o diretor Martin Scorsese, contudo, parece contar com o histórico de Lee para ensaiar ao público um susto que nunca ocorre.

Christopher Lee não se contentou em ser um cara mau apenas no cinema. Em 2014, ele surpreendeu e comemorou seu aniversário de 92 anos lançando um disco em que canta em um dos estilos mais malvados de todos, o heavy metal. O disco traz releituras metaleiras de I, Don Quijote, Torearors (da ópera Carmen) e a clássica My Way.

Lee, depois do heavy metal e da surra nos reis-bruxos, qual é a surpresa do seu aniversário de 93 anos mesmo?


HISTÓRIA

Curiosidades sobre Christopher Lee

– Seu primeiro papel foi nos palcos de escola. Ele fez o demoníaco Rumpelstiltskin das histórias infantis. Sinal do que estava por vir…

– Foi voluntário na Força Aérea Britânica de 1941 a 1946, em plena Segunda Guerra Mundial.

– Sobre o tempo na inteligência britânica durante a Guerra, Lee criou uma situação clássica quando as pessoas perguntam se ele fez isso ou aquilo na Guerra. Eu pergunto a elas ‘Você consegue manter um segredo?’ Elas dizem ‘Sim, sim’, e eu digo ‘eu também’.

– Sofreu um ferimento na mão durante um combate de espadas com Errol Flynn em O Príncipe Negro (1955). Flynn estava meio bêbado naquele momento.

– Seu rival nos filmes de Drácula era Peter Cushing, intérprete contumaz do professor Van Helsing. Cushing nasceu em 26 de maio, um dia antes de Lee. Se eram inimigos nas telas, fora delas eram amigos inseparáveis.

– É casado com a mesma mulher, Gitte Lee, desde 17 de março de 1961. Monogamia é algo muito raro em Hollywood. Eles têm uma filha, Christina.

– Aparece na capa de um disco de Paul McCartney, Band on the Run.

– Fala francês fluentemente. Aprendeu alemão com as óperas de Wagner. E sabe italiano a ponto de ter, ele mesmo, dublado as versões em italiano da saga O Senhor dos Anéis.