Curitiba recebe neste final de semana um grande evento, que vai demonstrar a força do hip hop e do rap na periferia da Capital. Vai ser no domingo (3 de setembro), quando acontece o “Primeiro Encontro da Máfia”, na UZ Arguiles (Rua Marte, 2044), no bairro Sítio Cercado. Ao todo, mais de 20 MCs da Grande Curitiba devem se apresentar. As apresentações começam às 14 horas e só devem acabar no começo da noite, entre 20 e 22 horas. A entrada custa R$ 5 e a expectativa é que entre 200 e 300 pessoas marquem presença
A iniciativa faz parte do Projeto Rua, criado há cinco anos por Ezequiel Alves dos Santos, o Traax MC. Com 30 anos de idade e 13 de carreira no rap, o artista já vendeu mais de 20 mil discos e conta que resolveu criar o projeto para dar uma oportunidade dos rappers que estão iniciando a trajetória musical se apresentarem e mostrarem ao público as suas rimas.
“Eu cantei sete anos aqui no Centro [de Curitiba], cantava na rua mesmo, e aí eu via que depois das apresentações ia ganhando mais visibilidade, meu canal no YouTube e o Instagram iam crescendo. Aí achei uma coisa legal poder passar para outros MCs essa fita que é você se mostrar mesmo ali, no povão”, explica Traax, comentando que o projeto não recebe nenhum tipo de apoio, mas sempre procura fazer o máximo de eventos para manter a cena forte e unida.
“É uma coisa legal, porque você dá inspiração para eles [MCs que estão começando] não pararem, né? Porque tem muito MC aí que começa no rap, começam a fazer uma música da hora, mas nunca têm oportunidade e aí até desistem”, complementa.
“Nós amamos a cultura e levamos o rap no coração”
A história de Traax com o rap começa ainda na infância, conta ele, que cresceu no Morro do Piolho, no CIC, e morou também no Sabará. “Sou morador de periferia, tenho contado com o rap desde criança e conheço muito o gueto de Curitiba. Hoje em dia nas quebradas se ouve mais funk nos rádios, mas antigamente era só rap. Os carros passavam curtindo rap, as rádios eram 24 horas rap, e aí você curtia junto, né? Porque você vê [na música] uma visão do que acontece no cotidiano. O rap, eu sempre interpretei assim, mostra as coisas pra gente não entrar naquilo, entendeu? É uma coisa da hora e é gostoso você poder mandar um rap assim também”, afirma o MC.
Foi já no fim da adolescência, no entanto, que ele começou a se descobrir também como um artista, e não apenas como um ouvinte. “Quando eu fui morar em Pinhais conheci um mano lá. Um dia nós estávamos na casa dele curtindo e de repente ele colocou um rap. Eu falei ‘nossa, da hora’ e daí ele falou que era ele cantando. Foi a primeira vez que vi um artista na minha frente e achei muito legal aquilo. Aí eu comecei a me envolver com ele e veio essa paixão, achei muito da hora o que ele fazia e ali decidi que aquilo era o que eu queria para a minha vida. Desde então estou na batalha, desde 2010 fazendo um rap aí em Curitiba”, conta Traax, que iniciou sua carreira num grupo chamado Gueto Leste, de Pinhais mesmo.
“Qualquer um pode virar MC, só tem que ter motivação”
Ainda segundo o artista, embora muitos MCs falem que para rimar a pessoa já tem que ter nascido um MC, já tem que ter nascido com uma espécie de dom para a arte, Traax garante que isso é totalmente mentira. “Qualquer um pode virar MC, só tem que ter motivação, inspiração, ter determinação e falar ‘eu quero fazer isso aí’. E depois é treinar, porque rimar é igual matemática, entendeu? Você tem que ir lá e treinar, praticar.”
A inspiração é também uma parte fundamental do trabalho. Mas o lado positivo é que coisas que sirvam de inspiração é algo que não falta. “A inspiração a gente pega do que for. Falamos de um amigo que faleceu, do que o crime causa na vida das pessoas… A gente olha ao redor e tem muita coisa pra gente ver, então a letra pula praticamente no papel. A inspiração vem do cotidiano, do que acontece pelo mundo aí.”
Como apoiar o Projeto Rua
Durante a semana, Traax MC costuma ser encontrado pelo Centro de Curitiba, especialmente na Rua XV, onde ele comercializa adesivos de vinil à prova de água. Cada cartela, que possui entre quatro e seis adesivos, custa R$ 10 e o valor levantado é utilizado pra manter o Projeto Rua vivo. “É através dessas cartelinhas que a gente paga as coisas, como o som que compramos pro projeto, que custou R$ 1,6 mil”, conta o rapper.
Para quem quer conhecer mais sobre o trabalho, basta acompanhar a página de Instagram Street Artes CWB (@streetartescwb). Quem quiser colaborar com o projeto, inclusive, pode contatar Traax por ali. Atualmente, os artistas estão em busca de mais lugares para poderem se apresentar, mostrar o rap que é feito em Curitiba.
“Queremos movimentar, fazer eventos em toda a parte de Curitiba e Região Metropolitana. Já fizemos eventos em Piraquara, Fazenda Rio Grande, Colombo, Araucária, CIC e agora o Sítio Cercado, mas queremos pegar cada vez mais lugares. Então quem souber de um local e puder ajudar a gente, oferecendo um barzinho, um salão para a gente se apresentar, é só procurar a gente. Também aceitamos contribuições financeiras, que é para gente poder pagar as coisas do projeto”, afirma o artista.
“Eu vim com o Projeto Rua para criar um espaço novo, porque os MCs chegam para mim e falam que têm várias músicas, mas nunca cantaram para ninguém. Aí trago eles pro Projeto Rua. Nós conseguimos local, estrutura de som e damos chance para essa galera apresentar o trabalho. Temos muitos MCs aí que nunca cantaram para ninguém, cara. E no Projeto Rua a gente deu oportunidade para essa gente e hoje tem os caras que estão explodindo aí em Curitiba até, estão cantando em várias quebradas, e é muito bom. Todo mundo que quiser pode chegar e cantar.”
Ezequiel Alves dos Santos, o Traax MC, criador do Projeto Rua