Divulgação – Elton John (Taron Egerton) em um de seus primeiros shows: psicodelia

Filmes de astros da música costumam seguir uma linha narrativa mais ou menos padrão. Mostra-se a ascensão (normalmente a partir do nada), a queda (normalmente vinculada a drogas) e a redenção (normalmente ligada a um fato marcante). Foi assim com ‘Ray’ (2003), que trazia a vida de Ray Charles. Foi assim com ‘Johnny e June’ (2004), sobre Johnny Cash. Mais recentemente, com ‘Bohemian Rhapsody’ (2018), com o vocalista do Queen, Freddie Mercury. Seria diferente com ‘Rocketman’, sobre Elton John, que estreia nesta quinta-feira (30)?

Como ‘Bohemian Rhapsody’ é mais recente e está mais fresco na memória do espectador, acaba servindo de ponto de comparação para ‘Rocketman’. Há mais motivos para isso. Um deles: ambos trazem a vida de um músico extravagante dos anos 70/80. Outro motivo: Dexter Fletcher, o diretor de ‘Rocketman’, é o mesmo que um ano antes assumiu ‘Bohemian’ após a polêmica saída de Bryan Singer. Em entrevistas para divulgação do filme de Elton John, Fletcher foi até questionado sobre o longa anterior. “Vamos falar sobre ‘Rocketman’, pessoal?”, costumava rebater.

Há, contudo, uma diferença grande entre os dois popstars. Freddie Mercury era uma personalidade naturalmente extravagante, apenas à espera de uma faísca para brilhar. E vivia num ambiente familiar equilibrado. Elton – ou melhor, Reginald Kenneth Dwight, seu nome de batismo – era o contrário: um garoto tímido numa família desestruturada, que precisava implorar por um abraço do pai, Stanley (Steve Mackintosh), e tinha pouca atenção da mãe, Sheila (Bryce Dallas Howard). Quem prestou atenção no talento musical daquele garoto foi a avó, Ivy (Gemma Jones), que o levou para testes na Royal Academy of Music. O resto, como se diz, é história.

E Fletcher emoldura essa história com um filme muito mais musical que cinebiográfico. Claro, a história está lá, mas narrada em boa parte com as próprias letras das canções – letras que não são de Elton, e sim do parceiro inseparável de composições, Bernie Taupin (Jamie Bell) – em coreografias e visuais que beiram o psicodélico. A sequência de abertura, em que um Elton John adulto (vestido como se fosse a Malévola, da Disney, só que laranja) e o menino Reginald se alternam ao cantar ‘The Bitch is Back’, já dá esse tom: enquanto as duas versões do astro aparecem em cores vivas, dançarinos à volta estão em tons pastéis. ‘I Want Love’ mostra a situação familiar do menino dentro de sua própria casa. As músicas mais agitadas do cantor, como ‘Crocodile Rock’ ou ‘Saturday Night’s Alright for Fighting’, abrilhantam vários outros momentos. E ‘Rocket Man, música que batiza o filme, mostra um reencontro peculiar de Elton com ele mesmo.

Outro mérito de Fletcher é encadear as músicas de forma que a sequência delas não forçasse a cronologia da vida do astro – ao contrário do que aconteceu em ‘Bohemian Rhapsody’. Antes de ver Elton estourar com sua primeira música, ‘Your Song’, em 1969, o público (e os fãs em especial) já puderam perceber acordes de canções dos anos 80, como ‘Sad Songs’. E isso não compromete a narrativa em nada, pelo contrário.

A narrativa, as músicas e a psicodelia expõem um Elton John extravagante. O filme não esconde cenas de sexo gay – principalmente entre Elton e seu empresário, John Reid (Richard Madden) – e o uso aberto de drogas, álcool e remédios. E não há um vilão propriamente dito. Todos os caminhos, percebe-se, são escolhas do próprio Elton John. Ele escolheu trocar de nome, escolheu as roupas, escolheu ter centenas de pares de óculos, escolheu não esconder sua orientação sexual, escolheu as drogas, escolheu livrar-se dos vícios, escolheu ir até o topo. A única escolha que Elton não fez foi a do ator que o interpreta: Taron Egerton. Seja quem for que o tenha escolhido, sabia o que estava fazendo: Egerton some plenamente no papel e só se vê Elton John na tela (até a voz natural do ator convence). Sua presença em meio à psicodelia do filme acaba se tornando o diferencial em relação a outros longas de astros da música. Parafraseando uma música de Elton John, ‘Someone Saved My Life Tonight’, é como se Taron Egreton e Dexter Fletcher salvassem um filme de ser parecido com os outros.