Há dez anos, quando Francis Hime (foto) chegou aos 60, começou a compor e a gravar aos montes, com a fixação de que seu tempo era cada vez mais curto.
Hoje, aos 70 – completados em 31 de agosto -, o cantor, pianista e compositor valoriza, com calma, pequenos detalhes que antes lhe passavam batidos. Vivendo “o tempo da serenidade”, como ele mesmo define, Francis comemora a idade com uma série de novos projetos.
Em uma espécie de encontro entre épocas distintas, ele acaba de lançar o disco duplo “Francis Hime – O Tempo das Palavras… Imagem”. No primeiro CD, o momento presente do compositor, em 12 faixas inéditas feitas com diversos parceiros, como Geraldo Carneiro, Edu Lobo, Paulo César Pinheiro, Joyce, Paulinho Moska e sua mulher Olívia Hime. No segundo, em uma viagem ao passado, revirou seu baú de partituras para resgatar e gravar trilhas criadas por ele para filmes das décadas de 60 e 70, como “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, “A Noiva da Cidade”, “O Homem Que Comprou o Mundo” e “Um Homem Célebre”. Com o detalhe precioso de ser a primeira vez na carreira que Francis registra suas músicas com arranjos para piano-solo.
O disco, já apresentado no Rio de Janeiro, no Espaço Tom Jobim, chega aos palcos de São Paulo em novembro, com shows no Sesc. No mesmo mês, a obra de Francis será interpretada pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), que tocará o Concerto para Violão e Orquestra, composto por ele em homenagem a Raphael Rabello (1962-1995), seis meses antes da morte do violonista.
Na apresentação, de 40 minutos, Fábio Zanon será o solista, e a mexicana Alondra de la Parra, a regente convidada. As comemorações invadem o ano que vem, quando está previsto o lançamento de uma caixa com sua obra completa.
Bela oportunidade para lembrar que grandes sucessos de Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Ruy Guerra muito devem a Francis.
Em sua casa, no Jardim Botânico, Francis Hime olha para o passado sem nostalgia. Em uma mistura de dois sentimentos, revela tristeza por não poder se encontrar mais com amigos que morreram, como Vinicius, e saudade por raramente rever companheiros de longa data, como Chico Buarque. Vivendo do presente, e justificando o apelido que o compositor, poeta e amigo Geraldo Carneiro lhe deu de “parceiro mais promíscuo da música brasileira”, Francis ainda cultiva o hábito de enviar suas composições a letristas a fim de encontrar novos colegas de trabalho.
A diversidade de parceiros se comprova no disco recém-lançado. Com Geraldo Carneiro, o mais assíduo do álbum, dividindo a autoria de seis das doze faixas, Francis prova, aos 70 anos, ainda ter o mesmo fôlego criativo de antes, com destaque para “Eterno Retorno” e a belíssima marcha-rancho que dá título ao disco, “O Tempo das Palavras”. Além de Carneiro, ele assina dois sambas com Joyce, “Adrenalina” e “Rádio Cabeça”; “Maré”, com Olívia Hime, interpretada por Mônica Salmaso; “O Sim Pelo Não”, com Edu Lobo; “Pra Baden e Vinicius”, homenagem feita aos Afro-Sambas do poeta e do violonista, com Paulo César Pinheiro; e “Há Controvérsias”, com Paulinho Moska. “Eu gosto de compor com muitos parceiros. De certa forma, trabalhar com alguém novo provoca uma desestabilização, uma nova procura dentro de si mesmo.
Eu não gostaria de ter um parceiro só, acho que é isso que me abre sempre novas ideias”, diz Francis.Ao contrário do que ocorreu nos discos anteriores, em que o ponto de partida para as composições eram as melodias e harmonias criadas por ele, desta vez, em “O Tempo das Palavras”, Francis preferiu criar em cima das ideias sugeridas pelos versos dos parceiros, aproveitando o ritmo e a métrica. Muito além da sonoridade das letras, o significado também serviu como inspiração.
Ciente de que certas coisas têm seu momento exato para serem ditas, Francis revela a opção do álbum. “A palavra foi meu norte, o critério primeiro da criação. Eu acho que a palavra se transforma. Ela tem seu tempo e cabe ao artista descobri-lo e indicá-lo”.
Francis, aliás, quando jovem, teve seu tempo e seu caminho apontados por aquele que se tornou seu primeiro parceiro, Vinicius de Moraes, em 1963. Foi o poeta que, acostumado a engatar parcerias com rapazes bem mais jovens do que ele, vaticinou que Francis deveria seguir a carreira de músico e jogar fora o diploma de engenheiro.
Vinicius, diga-se de passagem, também influenciou Chico Buarque a largar a Arquitetura, Edu Lobo, o Direito, e João Bosco, a Engenharia.
“Casamento sem sexo”
O poeta, como se sabe, mesmo tendo trabalhado com muitos compositores, assim como Francis, considerava suas parcerias como um “casamento sem sexo”, demonstrando ciúmes quando seus amigos começavam a compor com outros. O pianista passou por isso quando foi trabalhar com Ruy Guerra e, posteriormente, com Chico Buarque. “Ele não falava explicitamente, mas ficava enciumado. Sinto muita saudade do Vinicius, ele foi a pessoa mais importante na minha vida musical”, conta Francis. E os projetos não param. Francis busca patrocínio para lançar a “Ópera do Futebol”, com música dele e libreto de Silvana Gontijo. Promessa certeira é feita para 2010, quando a Biscoito Fino lançará uma caixa com toda a obra de Francis, com curadoria de Tárik de Souza. Ótima oportunidade para resgatar discos importantes da carreira do compositor que há tempos estão fora de catálogo.