“Anotações sobre um Escândalo” (Editora Record, 320 págs.), livro que deu origem ao filme “Notas sobre um Escândalo”, que estreou no início deste mês no País, é uma obra incomum. Nele, a inglesa Zoë Heller, filha de um roteirista de cinema (Lukas Heller, de “O Que Aconteceu com Baby Jane?”), descreve a relação nada delicada entre duas mulheres, ambas professoras, por conta de um relacionamento condenado da mais jovem, Sheba, com um garoto de 16 anos. Ligeiramente inspirada no rumoroso caso registrado nos EUA nos anos 1990, envolvendo uma professora de 34 anos, Mary Kay Le Tourneau, e um garoto de 13 anos, a história original de Zoë Heller tomou rumo diferente no cinema. No entanto, a autora não se incomodou com as liberdades tomadas pelo diretor Richard Eyre e seu roteirista, que transformaram a personagem da solitária Bárbara, confidente da professora pedófila, numa recalcada lésbica.
Nascida em Londres em 1965 e educada em Oxford, a jornalista começou sua carreira literária há sete anos com o lançamento de “Everything You Know”, sobre um escritor misantropo, Willy Müller, que se recupera de um ataque cardíaco num hospital e narra sua tragicômica relação com a amante e a família. Definido como um livro sobre uma vida em queda livre, a primeira obra literária de Zoë Heller antecipa o perfil psicológico da personagem Barbara em “Anotações sobre um Escândalo”, sua segunda novela. O livro foi indicado ao Man Booker Prize em 2003 Em entrevista à reportagem da “AE”, Zoë Heller fala sobre a adaptação cinematográfica.
AGÊNCIA ESTADO – Seu pai Lukas era roteirista, seu marido e irmão também e mesmo você teve uma experiência na área como autora do roteiro de “Twenty-One”, lançado há 16 anos. Por que transferiu a tarefa de escrever o roteiro de “Notas sobre um Escândalo” para Patrick Marber? Como você vê sua adaptação?
ZOË HELLER – Não me pediram para escrever o roteiro, mas de qualquer maneira recusaria. Sou uma novelista, boa em criar frases, mas nem tanto para escrever um roteiro. Acho que seria particularmente difícil para mim traduzir minha novela para a tela. Acho que Patrick e Richard fizeram um trabalho maravilhoso de adaptação. De qualquer modo, você tem razão: a personagem de Bárbara (Judi Dench, no filme) é um pouco diferente, digamos, mais perversa. Mas absorvi bem essas mudanças. O filme é uma obra autônoma e não deve ser julgado por sua fidelidade ao texto original.
AE – Alguns filmes, entre eles “Sopro no Coração”, de Louis Malle, e “La Luna”, de Bertolucci, lidaram com a atração que garotos exercem sobre mulheres mais velhas – sendo que, nesses dois exemplos, fortalecida pela relação incestuosa entre mãe e filho. Não lhe parece que, de modo geral, as pessoas tendem a se escandalizar com relacionamentos entre mulheres maduras e garotos e parecem mais tolerantes quando essa relação amorosa é entre um homem mais velho e uma garota?
ZOË – Não estou bem certa se as pessoas são mais tolerantes nesse último caso. Talvez se surpreendam menos com esses relacionamentos. De qualquer forma, a maioria das sociedades não está habituada a ver as mulheres como sexualmente agressivas ou mesmo predadoras.
AE – A relação entre uma mulher madura e um menino pode ser escandalosa em Washington ou Londres, mas os códigos morais variam de região para região. Em países mais pobres, eles tendem a ser mais flexíveis. Sendo uma inglesa vivendo nos Estados Unidos, você diria que esse tipo de atração ainda é tabu nos países ricos por conta da ameaça que sofre a família nuclear, garantia da saúde econômica de um país? O que a intrigava mais no caso Le Tourneau?
ZOË – O desejo de defender a família nuclear é apenas um aspecto da questão e não fornece resposta para a rejeição a esse tipo de relacionamento por sociedades como a americana. Na maioria das sociedades industriais, as pessoas permanecem oficialmente “crianças” além do que deveriam, em comparação a outras partes do mundo. Na América, ou na Inglaterra, um garoto de 15 anos que atingiu a puberdade ainda é visto como menor, vulnerável à exploração sexual ou de outra natureza. Prestei muita atenção ao caso Le Tourneau quando comecei a escrever o livro e alguns elementos de sua história aparecem de fato no livro, embora não possa dizer que ela seja a inspiração dele. Meu principal interesse quando comecei a escrever era a relação entre as duas mulheres, Bárbara e Sheba.
AE – Sheba é combativa e segue sua intuição, mais ou menos como Katie, a garota independente de “Twenty-One”. As duas personagens femininas, conservadas suas diferenças, parecem simpáticas a seu modo, mas a caracterização do personagem masculino Willy, em “Everything You Know”, é um sórdido anti-herói, um escritor misantropo. Por que você escolheu um tipo tão antipático em seu livro de estréia, em especial um personagem que guarda semelhanças biográficas com seu pai?
ZOË – Bem, tenho de discordar. Não acho que Sheba desperte alguma simpatia ou que Willy seja sórdido. Ambos são complicados moralmente ambíguos. Willy pode ser um misantropo, mas é também engraçado, autocrítico e agudo em suas observações. Eu realmente o amo. Quanto a Katie, tinha apenas 20 anos quando escrevi o roteiro do filme e, como não a criei, já que foi uma invenção do diretor, não posso falar sobre ela.
AE – Em ambos os seus livros os narradores parecem incapazes de mostrar compaixão. Você diria que isso é o resultado de sua transição do jornalismo para a literatura?
ZOË – Não acho que meus narradores sejam incapazes de exprimir o que sentem. Está certo, são pessoas pouco sentimentais, mas compassivas.
AE – Resenhistas respeitáveis como Edmund White colocam você no mesmo panteão de Ian McEwan e Martin Amis. Qual é sua relação com a literatura desses dois autores e o tema de seu próximo livro?
ZOË – Gosto de ambos. Considero o livro de Amis, “Dinheiro”, uma obra-prima. De McEwan, meu livro favorito é “Reparação”. Fiquei extremamente orgulhosa de ter sido comparada a esses dois grandes autores. Quanto ao meu próximo livro, ele se chama “The Believers” e é sobre uma família nova-iorquina.