
De ideias firmes e ousadas, Júlia Wanderley (1874-1918) abriu caminhos para muitas mulheres e já era reconhecida como pioneira quando decidiu contar a história de sua própria maneira. Professora, escritora, cronista e a primeira mulher diplomada professora no Paraná, Júlia também se tornou uma das mais importantes colecionadoras de imagens da Curitiba do início do século 20.
Júlia completaria 151 anos no próximo dia 26 de agosto, e sua coleção de memória fotográfica pode ser apreciada na Casa da Memória, da Fundação Cultural de Curitiba. A Coleção Júlia Wanderley reúne mais de 1.200 imagens preservadas, incluindo fotos, cartões-postais e anotações pessoais que documentam ruas, pessoas, construções e hábitos da cidade.
“O valor da coleção de Júlia não está apenas na quantidade de imagens, mas na qualidade do olhar. Os registros dela capturam o cotidiano, com uma curadoria delicada e particular, formando um verdadeiro álbum coletivo da cidade”, destaca Angela Medeiros, pesquisadora da Fundação Cultural de Curitiba.
Uma cronista da cidade
No tempo em que as ruas de Curitiba ainda não tinham calçamento, as mulheres não votavam e não frequentavam lojas desacompanhadas, Júlia Wanderley transitava entre o universo doméstico e o intelectual com desenvoltura rara. Nascida em Ponta Grossa e criada desde a infância em Curitiba, ela se tornou a primeira mulher diplomada professora do Paraná em 1892.
Filha do pintor Affonso Guilhermino Wanderley, Júlia recebeu uma educação rigorosa e estímulo ao pensamento crítico. Ainda adolescente, lutou para ser admitida na Escola Normal, até então exclusiva para homens, e se formou aos 18 anos.
Foi professora e diretora da antiga Escola Tiradentes, sendo a primeira mulher do estado a ocupar essa posição. Na função, implementou métodos pedagógicos modernos e se destacou pelo pensamento avançado para a época. Fora das salas de aula, escrevia artigos assinados com seu nome ou pseudônimos.
A coleção que registrou a cidade
Visionária, Júlia colecionava fotografias, postais e retratos, muitos recebidos por correspondência, outros adquiridos em estúdios fotográficos ou presentes de amigos. Cada imagem trazia anotações detalhadas, como datas, nomes, eventos e observações pessoais, documentando não apenas locais, mas também histórias e acontecimentos.
Exemplo disso é um cartão da Praça Generoso Marques, registrando a construção e reforma do Mercado Municipal, com detalhes sobre datas, responsáveis e localização. Em outro cartão da Praça Tiradentes, datado de 1905, Júlia aponta onde conheceu o marido, Frederico Petrich, e menciona a casa da irmã, local de nascimento do sobrinho Julinho, criado por ela como filho.
“Para ela, os cartões-postais eram mais que um hobby, eram registros históricos. Sua coleção não tem um tema dominante, é um retrato da cidade em expansão, do cotidiano”, explica Angela Medeiros.
Do álbum familiar ao patrimônio público
A coleção foi doada ao Instituto Histórico e Geográfico do Paraná nos anos 1970 por Julinho. Em 1993, um acordo estabeleceu a reprodução e guarda do acervo pela Fundação Cultural de Curitiba. Desde então, parte do material integra a Casa da Memória, sendo preservado, digitalizado e disponível para consulta pública.
“Essa documentação iconográfica é fundamental para entender a Curitiba das primeiras décadas do século 20. Júlia realizou um trabalho silencioso e pioneiro de preservação da memória urbana”, reforça Angela.
Serviço
Acesso à Coleção Júlia Wanderley:
- Solicitação por e-mail: [email protected]
- Visita presencial: Casa da Memória, Rua São Francisco, 319 – São Francisco
- Horário de funcionamento: segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 18h