Sherlock Holmes é o detetive mais amado da literatura policial. Fato. Um dos mais conhecidos personagens de todos os tempos. Fato. Uma referência que se tornou sinônimo de investigador. Fato. Fatos que podem perfeitamente ser lembrados no dia de hoje, em que o Grande Detetive faz aniversário. De 160 anos.
A adoração a Sherlock Holmes é tanta que ele ganhou grupos especializados em estudá-lo nos pormenores. Esses grupos dão-se ao luxo de chamar a obra completa de sir Arthur Conan Doyle — o criador do detetive — de cânone. Propagam eles a agradável ficção de que foi John Watson, o grande companheiro de aventuras, quem escreveu de fato as histórias do detetive, e não Conan Doyle. Este apenas teria publicado o material. Afirmam eles que Holmes existe de fato e que está vivo e bem de saúde do alto de seus 160 anos. Ele teria descoberto a fórmula da imortalidade ao combinar seus conhecimentos de química com um extrato de abelhas, as quais passou a criar depois que se aposentou e se mudou de Londres para a costa do Sussex.
Esses literatos — autointitulados sherlockianos — resgatam fatos e preenchem lacunas importantes da vida de Holmes desde que ele apareceu pela primeira vez na Strand Magazine, em 1881. Lacunas que o próprio Conan Doyle não se deu ao trabalho de publicar, como o dia do nascimento do personagem.
Um momento. Se Doyle nunca disse que Holmes nasceu em 6 de janeiro de 1854, como se sabe que o aniversário de 160 anos é hoje? Na verdade, não se sabe. Conjectura-se a data de 6 de janeiro baseada em duas referências à peça Noite de Reis, de William Shakespeare, existentes no cânone. Sabe-se em O Vale do Medo que, no dia 7 de janeiro, quando receberam o detetive MacDonald, Holmes e Watson tinham sobras de uma pequena festa. E há um consenso sobre o ano de nascimento em 1854 porque Holmes se aposentou aos 50 anos, em 1904 — e fez um serviço como agente secreto britânico em 1914, aos 60. O local de nascimento, porém, é alvo de controvérsias.
Os sherlockianos também conjecturam onde Holmes estudou, se Cambridge ou Oxford. Em que curso se formou (Direito, Química ou algum outro). Afirmam que Mary Morstan, a mulher com quem Watson se casou, teria morrido em 1892, de consumpção. E vão além. Em um dos exemplos mais extremos, deram-se ao trabalho de fazer medições para ver se o tiro do coronel Sebastian Moran em uma estátua de Holmes e a trajetória da bala, como descrito na história A Casa Vazia, se encaixa nas leis da física.
O grande charme de Holmes repousa sobre sua capacidade de observação e dedução. Apenas de olhar para Watson, descobriu que ele era um médico que tinha servido ao exército britânico no Afeganistão e havia levado um tiro no braço. Mas há quem diga que o material narrado por Watson não é isento de falhas se comparado à vida real. Há quem conteste muitos métodos do detetive. Há quem afirme que ele na verdade fracassou em muitos casos. Há quem aponte falta de coerência entre um conto e outro. Há até quem diga que Mycroft Holmes, irmão mais velho de Sherlock, é um agente duplo. Se é certo que das histórias de Sherlock Holmes pode-se extrair várias interpretações (mesmo algumas que parecem implausíveis), também é certo que ninguém se daria a esse trabalho se não fosse em relação a um personagem verdadeiramente idolatrado.
Idolatria
A idolatria a Holmes é tamanha que transcedeu o universo literário. No começo do século 20, ele foi encarnado em peças de teatro e depois apareceu no cinema – Basil Rathbone o interpretou com fidelidade nos anos 1930 e 1940. Também virou história em quadrinhos e ganhou diversas adaptações para cinema e TV, não necessariamente seguindo o material original. É o caso da mais recente das adaptações, com Robert Downey Jr. no papel do detetive.
Bibliografia
A bibliografia oficial de Holmes inclui 56 contos e quatro romances — Um Estudo em Vermelho, O Signo dos Quatro, O Cão dos Baskerville e O Vale do Medo. Quase todos são narrados por Watson, em primeira pessoa. As exceções são os contos A Juba de Leão e O Rosto Lívido, narrados pelo próprio Holmes, e A Pedra Mazarin e O Último Adeus, em terceira pessoa. Nem todas as histórias de Holmes envolvem crimes.
Famosas deduções
. Ao examinar um relógio, percebeu que seu dono tinha tido boa vida, depois passou períodos de vacas magras, com breves tempos de prosperidade e por fim sucumbiu à bebida. O dono do relógio era o irmão de Watson — que não gostou de ouvir a verdade.
. Junto com seu irmão Mycroft, viu um homem e deduziu que ele era militar de artilharia, com serviços na Índia, viúvo e tinha dois filhos para criar sozinho.
O inimigo
James Moriarty, professor e grande inimigo de Sherlock Holmes, dá as caras mesmo apenas em O Problema Final. E é citado em A Casa Vazia, já que nesse conto Holmes tem que dar muitas explicações a Watson sobre sua “morte” — apenas Moriarty, e não o detetive, caiu na catarata de Reichenbach. Em O Vale do Medo, cronologicamente ocorrido antes de O Problema Final, Moriarty está vivo e sua organização criminosa tem papel de destaque. Mas o professor não aparece.
Nascimento
Não há consenso sobre onde nasceu Sherlock Holmes. Alguns afirmam que ele é escocês, por causa da sonoridade do nome, típico da Escócia. Outro sugerem que Holmes é norte-americano com ascendência indígena, porque quase não tem barba. Há quem diga que ele é francês — ele mesmo afirma que uma de suas avós é irmã do pintor francês Horace Vernet. O único a cravar um local de nascimento é o escritor Umberto Eco. Ele diz que Holmes vem de Newcastle, uma cidade ao norte da Inglaterra, quase na fronteira com a Escócia.
Elementar
A famosa frase Elementar, meu caro Watson não existe nos livros. No conto O Corcunda, o detetive começa uma conversa se referindo ao companheiro como Tenho a vantagem de conhecer seus hábitos, meu caro Watson, e desenvolve o raciocínio pelo qual deduzira que o colega estava profissionalmente bastante ocupado. Depois da fala de Watson, Sherlock responde: Elementar. Quem juntou as expressões foi o ator norte-americano William Gillette, pioneiro em adaptar a obra para o teatro.
A imagem
Coube ao ilustrador Sidney Paget criar a imagem de Holmes da forma que foi mais difundida (ao lado). Ele foi contratado pela revista Strand Magazine para ilustrar As Aventuras de Sherlock Holmes, uma série de 12 contos publicados entre 1891 e 1892. Mas foi por acidente. Os editores mandaram-lhe uma carta ao invés de mandar ao seu irmão Walter. A versão mais aceita é que a imagem de Holmes criada por Sidney tenha sido baseada neste mesmo irmão, Walter.
O grande hiato
Holmes foi dado como morto entre os anos de 1891 e 1894. A notícia da morte surgiu no conto O Problema Final e a do retorno, em A Casa Vazia. Estudiosos traçaram milhares de conjecturas para esse período. Na mais aceita, Holmes viajou pelo mundo com o pseudônimo Sigerson — na verdade, um anagrama com o nome de seu pai (Siger) e son, que significa “filho”, em inglês. O período é denominado o grande hiato.
A família
O nome completo do detetive é William Sherlock Holmes. Filho de Siger e Violet, ele tem dois irmãos mais velhos, Sherrinford (que nunca aparece) e Mycroft (que aparece em O Intérprete Grego e Os Planos do Bruce Partington. Sherlock nunca se casou, mas despertou o interesse de várias mulheres, como Irene Adler ou Violet Hunter (As Faias Acobreadas). Nada disso, porém, aparece claramente na obra de Conan Doyle. Trata-se das conjecturas mais aceitas pelos sherlockianos a partir de estudos do cânone.