Para quem Machado de Assis dedicou os primeiros poemas?

Luana Lopes, Ciência UFPR
machado-2

Divulgação

A obra do escritor Machado de Assis, s, é uma linha sólida da pesquisa literária no Brasil e no exterior. Sua vida, porém, também interessa a outras áreas de conhecimento, devido à peculiaridade das suas marcações e posicionamentos sociais — um homem negro, um dos raros alfabetizados, nascido em uma família de trabalhadores que transitava por classes sociais mais altas e autor que se destaca pela evidente análise social crítica.  

O escritor Machado de Assis, nascido em 21 de junho há 186 anos, virou tema de pesquisas do professor Ricardo Costa de Oliveira, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Conhecido pelos estudos sobre a relação entre poder e genealogia no Brasil e coordenador do Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP), o pesquisador investigou a Quinta do Livramento (também conhecida como Morro do Livramento), onde nasceu Machado de Assis, para entender como as relações sociais e ambiente social do autor levaram ele a escrever seus célebres trabalhos. 

Leia mais

As investigações do sociólogo estão compiladas em três publicações que se complementam, trazendo pesquisas sobre a família e genealogia de Machado de Assis. O trabalho, inclusive, foi um das fontes de pesquisa da esperada nova biografia do escritor, que será lançada ainda este ano pelo escritor Cláudio Soares. O estudo do professora da UFPR relva, por exemplo, como a identidade das pessoas citadas nas primeiras dedicatórias de Machado em seu começo na poesia.  

Algumas dessas pessoas eram completamente desconhecidas até a pesquisa do professor Oliveira ser disponibilizada. Para Oliveira, a posição do escritor na sociedade brasileira da época faz dos relacionamentos pessoais do jovem Machado de Assis um retrato social importante para a pesquisa sociológica.

“Como um dos maiores escritores brasileiros e mundiais, ele elabora uma verdadeira síntese de todas as relações humanas, estética, valores. Para nós sociólogos, é uma descrição social densa da sociedade brasileira do Rio de Janeiro”, contou Ricardo, em entrevista ao site Ciência UFPR.

História familiar de Machado de Assis

Integrante do conjunto de trabalhos de Oliveira sobre as relações do escritor no Morro do Livramento, o artigo “Primeiras dedicatórias de Machado de Assis” trata das primeiras dedicatórias de Machado de Assis em poemas publicados no Marmota Fluminense, um jornal de variedades, entre 1854 e 1855. As pesquisas resultaram em um capítulo do livro “Família, Política e Etnicidade” (Editora Liber Ars), lançado em conjunto com a pesquisadora Mônica Goulart, e no artigo “A Flor do Morro: As Famílias escravizadas, agregadas e senhoriais do Livramento e Valongo, Rio de Janeiro (Sec. XVIII-XIX)”. 

“Nesses trabalhos, é possível um acompanhamento da história familiar de Joaquim Machado Maria de Assis, desde as origens das bisavós escravizadas e as relações com o senhoriato [os proprietários da Quinta do livramento], de modo a entender quem era Machado de Assis e por que a obra dele é uma obra fenomenal, é uma obra enciclopédica”, afirma Oliveira. 

Com estas pesquisas, uma das respostas que Ricardo obteve é que os pais de Machado de Assis, uma portuguesa e um descendente de escravizados alforriados, tinham boas relações com os proprietários da chácara, mesmo sendo de famílias modestas. O jovem Machado, como registra sua biografia, tinha padrinhos importantes, o que, junto com o ambiente movimentado da Quinta do Livramento, pode contribuir com a educação e visão de mundo do escritor. Esta ideia está exposta pelo autor no livro Família, Política e Etnicidade

“Esta especificidade de ser um filho de agregados, alguém na fronteira social entre dois mundos, duas casas, duas famílias, alguém da periferia e que conhecia por dentro o mundo senhorial, o faria ‘desnaturalizar’ as relações sociais constituintes daquele mundo coletivo, o que permitiria a gênese de um pensamento social descritivo, analítico e crítico no Livramento, uma literatura a partir da base inicial e fundadora das relações sociais do Livramento. O resto seria com o próprio escritor, o ambiente progressista e modernizante, em várias esferas sociais e econômicas, do Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o XX”. 

Pirâmide social: Machado de Assis

Esta visão é compartilhada pelo professor Luis Goncales Bueno de Camargo, do Departamento de Literatura e Linguística da UFPR. O docente explica que, embora a abordagem dos estudos literários não relacione diretamente vida e obra, a vida social de Machado na Quinta do Livramento pode sim ter influenciado seus escritos futuros.  

“Pelo fato de ele ter vindo da base da pirâmide da sociedade e ter tido uma ascensão por meio do letramento, ele de fato pode ver a sociedade brasileira de maneira muito ampla”, afirma. “O Machado teve chance de experimentar isso ao mesmo tempo em que nessa época, ainda menino, quando morava no Morro do Livramento, ele teve condições de ir adquirindo letramento e estudando, e experimentando na pele como era estar daquele lado menos privilegiado da sociedade”.