O escritor Paulo Coelho não precisa de apresentações. Tampouco seu biógrafo, o jornalista Fernando Morais. A empreitada que colocou esses dois nomes fortes das letras brasileiras lado a lado, foi a biografia O Mago, mais uma interessante investigação jornalística a engrossar o currículo de Morais, e a primeira sobre o bruxo, escritor que vende livros a dar com o pé , no mundo inteiro, enquanto é desdenhado em sua terra. . Não sou uma fã da literatura atual de Coelho, mas a história dele, já imaginava que renderia pano pra manga. Tá tudo ali, nas 619 páginas de texto corrido – com algumas fotos. Pra começo de conversa, Morais foi atrás das pistas que nem ao escritor interessavam, os antepassados, encontrando na linhagem do parceiro de Raul Seixas, um parentesco distante, por exemplo, com o escritor José de Alencar. A avó deste, pentavó do “mago”, vejam só, foi uma feminista que chegou a proclamar a República do Brasil e deixou os converservadores de cabelo em pé, lá nos idos do século 17.
O livro trata ainda das chocantes passagens por sanatórios, onde levou eletrochoques, por “culpa” de sua personalidade depressiva e inquieta que lhe dava uma persistente sensação de insatisfação, que perdurou vida afora, mas foi mais marcante na fase pré-fama literária. Uma pessoa importante foi a atriz Renata Sorrah, namorada que deu suas economias para ajudar Coelho a fugir de uma internação. E que escrevia cartas apaixonadas que o ajudavam a segurar a pesada onda. Coelho foi bem namorador, a despeito de seu físico, compensado por uma lábia afiada. Culto, fez fama, primeiro no teatro carioca. A fase inicial, também foi a das experiências sexuais e da investigação sobre sua opção, inclusive.
Coelho traçou seus planos e não media esforços para ser um grande escritor. Exatamente, ele é desses artistas que planejam minuciosamente seus passos – a música está cheia deles. Desde criança acalentava a vontade e suas leituras compulsivas fez resenhas das mais díspares obras. Ser escritor já era uma obssessão e ele se frustrava, caindo em depressão, toda vez que se tocava estar longe disso. Mas, não se acanhou em assinar textos de outros como seus, e, descaradamente, inventou reportagem para O Globo. Ia levando a vida entre altos e baixos, tendo sempre por perto a família, mesmo que numa conturbada relação.
A biografia trata também das experiências e estudos demoníacos e de magia de Coelho, que chegou a fazer parte da organização OTO, criada por Aleister Crowley (o mesmo que consegui atrair Beatles e vários famosões). Isso até se deparar, dentro de sua casa como o “próprio” demônio e tremer na base.
No meio disso, surge Raul Seixas, produtor musical da CBS, um cara que vivia de terno, paletó, gravata e pasta executiva na mão. Coelho, aos 25 anos, usava cabelão, calça sanit-tropez, sadálias franciscanas e óculos de lente lilás. De tanto azucrinar, Seixas conseguiu que Coelho se tornasse seu parceiro musical, a primeira fase da fama de verdade, de Coelho. Existiu até uma autobiografia, de 1991, sobre os dois, que não chegou a ser publicada porque a mulher de Coelho, não deixou. Tratava da fase demoníaca compartilhada pelos dois. Seiscentas página estavam escritas, quando ela ordenou que ele parasse. Discussões depois, ele imprimiu uma cópia e apagou do computador o original. Só Paulo Rocco, seu editor, pode ler uma página, além do casal. A única versão impressa foi mastigada por um caminhão basculante de lixo.
A biografia de Paulo Coelho é infinitamente interessante. Mesmo se sabendo do grosso dessa história, é impressionante o que o olhar de Morais, exímio biógrafo, revela. Agora todo mundo já sabe do baú, que Coelho havia condenado. Pois acho que essa história do baú, é golpe. Coelho nunca quis, de verdade, que esse material se perdesse. Sabia exatamente como criar toda uma aura mística em torno de sua história. Paulo Coelho chegou onde queria.