Levar a psicanálise para além dos consultórios e das paredes fechadas foi o caminho que o psicanalista Alexandre Tito escolheu seguir. Inspirado em iniciativas semelhantes de clínicas públicas em São Paulo e no Rio de Janeiro, ele decidiu ocupar praças de Curitiba com uma escuta aberta e gratuita. A proposta é simples: um banco, uma placa e a disposição de ouvir quem quiser falar.
A ideia, conta Alexandre, nasceu de uma inquietação antiga. “Se eu consigo atender à distância uma pessoa em situação de extrema vulnerabilidade, por que não na cidade, no espaço público, onde todos circulam?”, lembra. Com essa motivação, sentou-se num banco de praça e deixou que a experiência começasse.
O frio do inverno curitibano obrigou a dar algumas pausas, mas a experiência já acolheu dezenas de pessoas. “Apesar de ser uma escuta breve, ela é complexa. Quem para, fala. Se abre. E muitas vezes volta. Algumas inclusive buscam depois um processo de análise mais contínuo”, explica.
Um encontro pessoal com a psicanálise
A relação de Alexandre com a psicanálise nasceu de sua própria história. Durante anos, conviveu com o alcoolismo e a dependência química. Foi nesse período que encontrou na leitura de Freud e de outros pensadores uma forma de compreender a si mesmo. “Eu queria entender por que vivia tanto mal-estar, por que me colocava em determinados lugares. Passei a estudar filosofia, ciência, e a psicanálise entrou de frente na minha vida”, relata.
Depois de se profissionalizar e iniciar sua própria análise, Tito percebeu que a psicanálise não era apenas um processo individual, mas também uma prática política e coletiva. “Carrego comigo memórias de amigos que perdi para a dependência e a depressão. Quando me sento na praça, talvez inconscientemente, também esteja buscando dar voz a essas ausências. É uma memória viva que me acompanha.”
Democratizar o acesso à saúde mental
O psicanalista reforça que levar a prática à rua é também um gesto de resistência. “A análise ainda é cara para a maior parte da população. Se a gente pensar que alguém ganha um salário mínimo e precisa pagar R$ 300 por mês em terapia, isso é inviável. A saúde mental precisa ser vista como uma pauta pública”, afirma.
Apesar do barulho, do movimento e da falta de privacidade que um espaço aberto traz, Tito diz que a experiência funciona. “A pessoa fala o que quiser, sem julgamento. Às vezes, só esse espaço já planta uma semente. Muitas saem dali e decidem priorizar mais a saúde mental.”
A missão da psicanálise com a rua
Para Alexandre, a rua amplia os sentidos da escuta analítica. “O inconsciente não tem endereço fixo. Ele aparece no cotidiano, nas relações, na cidade. A rua nos lembra que o mal-estar não está isolado em quatro paredes. E o papel do psicanalista é estar de acordo com o seu tempo. Vivemos tempos difíceis, e é preciso estar onde as pessoas estão.”
Ele espera que mais profissionais se juntem à proposta. Recentemente, recebeu a mensagem de um psicanalista trans que deseja participar. “Já ganhei. A ideia não é monopolizar o projeto, mas espalhar bancos, espalhar cadeiras, espalhar escuta. Que seja um movimento coletivo.”
Como participar da escuta na praça
Praça João Cândido
Sábado, 23 de agosto, das 14h às 17h
Gratuito – atendimento em formato de escuta breve
Para mais informações acesse o instagram @escutariarua
Acesso a saúde mental para todos
Aqui estão alguns serviços em Curitiba que oferecem atendimento psicológico gratuito ou com valor social:
Clínica Psicológica da UFPR – atendimento gratuito, realizado por estudantes de Psicologia sob supervisão.
(41) 3310-2614
Serviço de Psicologia Aplicada da PUCPR – consultas a baixo custo, abertas à comunidade.
(41) 98467-7169 | Site oficial
Projeto Plantão Psicológico da FAE – escuta emergencial, com valor social, mediante inscrição.
(41) 2105-4826 | Site oficial
Alana Morzelli, sob supervisão de Mario Akira