O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, foi reeleito para o segundo mandato, vencendo o tucano Geraldo Alckmin (PSDB) com mais de 58 milhões de votos. Com 99,62% dos votos apurados, Lula tinha pouco antes das 22 horas de ontem 58.071.574 votos, ou 60,80% do total, contra 37.443.527 ou 39,2% de Alckmin
Lula comemorou o resultado no início da noite, e iniciou o discurso da vitória prometendo fazer um segundo mandato “muito melhor” do que o primeiro. Ele entrou vestindo uma camiseta com a frase “a vitória é do Brasil” e justificou a escolha: “A vitória não e do Lula, não é do PT, não é do PC do B, não é de nenhum partido político. É a vitória da sabedoria do povo brasileiro.
Lula afirmou que as “as bases estão dadas” para o Brasil crescer. “Tinha consciência de que tínhamos construído um alicerce para o País dar um salto neste segundo mandato”. Ele citou as conquistas de seu governo, como os resultados positivos na economia, a consolidação das relações internacionais e a importância dada ao Mercosul.
O presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, proclamou que o presidente Lula foi reeleito para o cargo, quando a apuração chegou ao patamar de 90% dos votos. “Os votos que ainda faltam (apurar) não cobrem a diferença entre o primeiro e o segundo (Geraldo Alckmin) colocados, o que implica dizer que o presidente Lula foi reeleito”, afirmou Mello, em entrevista coletiva realizada por volta das 19h30.
Ele disse que o TSE, mais uma vez, “foi surpreendido pela velocidade da máquina”. A previsão inicial era de que a apuração só atingisse 90% às 22 horas, e esse total foi alcançado antes disso. O presidente Lula acompanha a apuração dos votos da suíte de um hotel na região da Av. Paulista, acompanhado pela primeira dama, ministros, assessores e coordenadores da campanha. Ele aguarda a finalização da apuração para descer e fazer um pronunciamento. Perto dali, na própria avenida, petistas organizaram uma grande festa. Apesar da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) afirmar que não houve solicitação de interdição da Paulista, a Polícia Militar já providenciou as barreiras e solicitou reforço para garantir a realização dessa comemoração.
Alckmin, acompanhado de familiares e correligionários, ficou em sua residência e afirmou que só se manifestaria quando TSE fizesse o anúncio oficial do resultado. Durante a tarde, o ex-governador só saiu para cumprimentar um vizinho que colocou na fachada da própria casa uma faixa em homenagem ao tucano.
A disputa — O primeiro turno das eleições presidenciais foi decidido em uma disputa apertada. Com 46.662.365 votos, o que representava 48,61% dos votos válidos, Lula quase venceu a eleição no primeiro turno. Para isso seria necessário que o presidente tivesse 50% dos votos válidos mais um voto. Alckmin ficou com 39.968.369 votos, totalizando 41,64% dos votos válidos.
Com os desdobramentos dos escândalos de corrupção que dominaram grande parte da campanha eleitoral no primeiro turno, muitos analistas políticos esperavam que o acirramento da disputa continuasse no segundo turno. Mas isso não aconteceu. Entre a realização da primeira parte do pleito, no dia 1º de outubro, e as eleições deste domingo, as pesquisas apontavam um aumento gradativo da vantagem da Lula sobre Alckmin.
Problema agora é buscar entendimento
Tanto ou mais do que alegria, a conquista do segundo mandato pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva causa inquietação, incerteza e cobrança em relação ao perfil do próximo governo e ao futuro do próprio PT. Petistas históricos demonstram preocupação com a governabilidade, as alianças e a perspectiva de dificuldades ainda maiores para os próximos quatro anos. Avaliam que é necessário reorganizar o PT, depurá-lo e garantir a participação não só em cargos, mas num modelo.
“Eu acho que o panorama é muito complexo, muito difícil” , afirma a socióloga Maria Victoria Benevides, que se diz aflita principalmente com questões como a participação do PT no próximo governo e as alianças para assegurar a governabilidade. “Velhos militantes vão ter que aceitar alianças que nos horrorizam, com ‘Jader Barbalhos e Defins Netto’, ou ficar num segundo plano?”
O economista Paul Singer, um dos fundadores do partido, é mais pragmático. “O governo tem necessidade de alcançar maioria no Congresso. O ideal seria alianças com afinidade ideológica, mas nem sempre o que ser quer é compatível com a necessidade, que é ter maioria.”
Frei Betto, membro do governo nos dois primeiros anos do mandato de Lula, teme que agora o Executivo fique “refém de forças conservadoras” e perca a oportunidade de promover o crescimento econômico e a redução das desigualdades sociais.
Para Maria Victoria, o papel do PT no atual governo já é “mofino”, ou seja, infeliz, desafortunado. “O partido teve um papel ruim porque o que apareceu foram escândalos. E o que apareceu mais foi o PT de origem sindicalista e com cargo de direção.” Impressionada pelo fato de “gente com tradição parlamentar e sem máquina” não ter sido reeleita, como o deputado Paulo Delgado (MG).
Presidente é tratado como “mito” no ABC
Para certa parcela do eleitorado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se descolou do meio dos mortais comuns. Virou mito. Era essa a impressão que se tinha ontem em alguns lugares do ABC Paulista, na região metropolitana de São Paulo, onde ele começou sua carreira política. Lula foi saudado como herói entre heróis quando, às 10h26m, após votar e dar duas entrevistas coletivas, dirigiu-se à multidão que o aguardava diante da Escola Estadual João Correia de Araújo, no bairro Assunção, em São Bernardo. Foram apenas nove minutos de saudação. Mas nove minutos apoteóticos.
Pais erguiam os filhos acima de suas cabeças para que pudessem ver e, quem sabe, guardar a visão para o porvir. Pessoas se espremiam no limite de suas forças tentando tocar o presidente, que saiu de lá com as bochechas beliscadas, a barba afagada e o cabelo desmanchado. E depois elas corriam para narrar o feito a quem quisesse ouvir. Marina Souza, garota de 14 anos, o rosto iluminado e redondo como uma lua cheia, gritava: “Eu abracei. E ainda ganhei um beijo”.
Outros exultavam com pedaços de papel autografados pela celebridade. Manoel Bahia, carregando no colo dois filhos pequenos e de olhar assustado, por causa da balbúrdia ao redor, proclamava: “Sou primo dele em segundo grau.” Rita Santos, com uma camisa ousadamente transparente para os seus 65 anos, unhas longuíssimas e pintadas de vermelho encarnado, queria ser entrevistada. Queria contar das madrugadas em que vendia bilhetes de loteria na porta da fábrica da Mercedes Benz e topava com Lula, que estava lá distribuindo panfletos e convencendo os operários a participar das assembléias sindicais. “Nós dois viemos do Nordeste, nós dois sofremos muito”, dizia ela, usando o plural para, delicadamente.