O painel de Jack Torrence antes de ser “apagado” no Centro (Colaboração)
Local foi pintado, depois de notificações da Prefeitura de Curitiba (Valquir Aureliano)

O Centro de Curitiba se tornou mais cinza nesta semana. Na rua XV de Novembro, em frente ao Teatro Guaíra, onde antes ficava um icônico painel inspirado no filme “O Iluminado” agora há apenas uma parede cinza. A obra, que ficava na lateral do edifício Inter Walter Sprengel e mostrava o ator Jack Nicholson na pele de Jack Torrence, personagem do filme de Stanley Kubrick, foi retirada após notificações e multas emitidas pela Secretaria Municipal de Urbanismo, da Prefeitura de Curitiba.

O painel do Jack era um ponto conhecido na cidade, que chamava a atenção de todos que passavam pela esquina da Rua XV com a Tibagi e atraía turistas. A obra se destacava pelas cores vivas, em laranja e vermelho, pela expressão atormentada de Jack e pela mensagem jocosa eternizada no filme: “Só trabalho sem diversão faz do Jack um bobão”.

Há anos, contudo, a Prefeitura de Curitiba, por meio da Secretaria Municipal de Urbanismo, vinha notificando o edifício e até mesmo o multando por conta da obra, feito em coautoria pelos artistas Celestino Dimas e Eduardo Melo. Curiosamente, o painel, inaugurado em 2013 no âmbito do projeto “Motion Layers”, foi viabilizado por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e patrocinado pelo Shopping Mueller.

“Nós não queríamos [tirar o mural], tanto que ficamos muito tempo discutindo isso aí na Justiça. Gastamos R$ 20 mil para pintar aquilo ali, fora as multas, gasto com advogado… Foi uma pena a gente ter de fazer isso aí”, afirma Moacir Stelzner, síndico do edifício Inter Walter Sprengel. “Eles [Prefeitura] falam que é propaganda, como se fosse uma propaganda. Não tem nada a ver. É uma cena de um filme. Na época em que foi feito o mural a própria Prefeitura fez postagem em rede social destacando a obra”, lamenta ainda o síndico.

De acordo com Stelzner, a situação começou a ficar insustentável recentemente, quando as notificações ao edifício se tornaram mais recorrentes. Como exemplo, ele cita uma multa emitida em 2021, da qual o edifício recorreu e acabou tendo o recurso indeferido. A multa então foi paga, mas menos de um mês depois veio uma nova notificação.

“Nós recorremos de uma das notificações e foi indeferido. Tivemos de pagar uma multa e pensamos que ali ia encerrar, mas não deu nem um mês e já veio o fiscal de novo e aplicou outra multa, dando um prazo de dez dias pra gente pintar”, relata ainda o síndico, explicando que a opção por pintar de cinza a parede lateral do edifício foi pelo fato da fachada do prédio já ser da mesma cor.

“Era um prédio bem admirado. Todo mundo tirava foto, pessoal de fora vinha aqui. Todo mundo gostava, mas tinha alguém da Secretaria de Urbanismo que não gostava disso aí”, lamenta o síndico. “Chegamos à conclusão que numa hora a gente estaria gastando mais com processo e multa do que gastaríamos para pintar. Então resolvemos pintar, mas não porque a gente queria, e sim por causa da insistência da Secretaria de Urbanismo”, ressalta ainda Stelzner.


‘A obra cumpriu seu papel. É um ciclo que se encerra’, diz artista
O Bem Paraná conversou no final da tarde desta quinta-feira com o artista Celestino Dimas, idealizador do projeto que deu vida à obra que trazia a imagem de Jack Nicholson e a outra, que fica perto dali, que traz a imagem de Ray Charles. Ele relatou ter ficado sabendo da remoção de seu painel ontem, quando um conhecido mandou uma foto da lateral do prédio já com a nova pintura.

“Já fazia algum tempo que a Prefeitura estava notificando, multando. A gente tinha liberação de dois anos [para o painel permanecer no local], então de certa maneira estamos no lucro. Mas como se tornou um ícone, um cartão-postal da cidade, acho uma pena que tenha sido removida, que o pessoal da Prefeitura não tenha essa visão. Uma das notificações que o pessoal do edifício recebeu era de propaganda irregular. Mas o produto ali era uma obra de arte, exposta gratuitamente para a população”, comenta Dimas.

O artista é também o autor da ilustração que embeleza o prédio histórico da Biblioteca Pública do Paraná, cujo desenho, assim como o do ‘Jack Bobão’, foi feito a partir da técnica do estêncil com projeção.

“É o ciclo das coisas. A arte urbana tem esse caráter efêmero, sobretudo em lugares como Curitiba, onde não há uma vontade política para promover a cultura”, lamenta Dimas, explicando que desde sempre procurou ter um certo desapego com relação aos trabalhos na rua, por entender que a cidade tem a sua dinâmica. “A obra cumpriu seu papel, virou um cartão-postal, inspirou muita gente. É um ciclo que se encerra. Quem sabe depois dessa considere fazer alguma outra coisa… Por enquanto não tem nenhum projeto caminhando, mas vou pensar sobre, ainda mais depois dessa provocação”, emenda o artista, agradecendo ainda aos responsáveis pelo edifício por tetem resistido por anos à pressão do poder municipal.

DO OUTRO LADO
Prefeitura diz que obra não tinha alvará

Procurada pelo Bem Paraná, a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) se posicionou sobre o assunto através de uma nota. Segundo a Prefeitura, a Lei 8.471/94 e o decreto 402/14 determinam que a confecção de painel artístico exige alvará e que, no caso específico, não existia esse alvará.
“Foi feita fiscalização e o proprietário do imóvel foi notificado, já que a SMU não foi consultada e não licenciou a confecção do painel. A notificação previa que o proprietário providenciasse o documento. Como a medida não foi tomada, foi emitida a multa. A SMU não determinou a pintura da parede, que foi uma decisão do proprietário”, diz o município.