
O fascínio por Dom Quixote, um período difícil durante a pior fase da pandemia e uma observação apurada das formas da natureza levaram a planície da Mancha, na Espanha, para um quintal no bairro de Santa Felicidade, em Curitiba. Essa combinação e muito trabalho resultaram na exposição “Encontros Tocos e Troncos”, do artista plástico curitibano Gil Dal Santo. As nove esculturas serão expostas no dia 25 de novembro no Castelo São Francisco, anexo ao restaurante Veneza, em Santa Felicidade.
“Moro em Santa Felicidade e tenho um quintal privilegiado, com jabuticabeira, pessegueiro, figueira, ameixeira. Meus amigos chamam o jardim de Éden do Gil. Eu digo que essas obras saíram do Éden do Gil para a planície da Mancha”, resume o artista, que trilhou os caminhos da escultura pela primeira vez. “Sou um artista plástico mais voltado para o desenho, a aquarela e a colagem. Nunca tive muita ideia da escultura”.
Foi a observação que levou Gil, desenhista desde a infância, a encontrar formas em troncos e tocos. “Eu estava sozinho e passava por uma árvore de mexericas quase centenária. Tinha um tronco meio seco e eu disse ‘Isso é o Dom Quixote’. Foi um encontro da pandemia com a doença”, conta Gil, que sofre de distonia cervical, um distúrbio neurológico caracterizado por contrações involuntárias da musculatura.
A partir daí foi nascendo a Mancha no jardim do Gil. Com lâminas de imbuia até então esquecidas no porão da casa, gravetos de ameixeiras, gavetas velhas, troncos de laranjeira e de ipê, galhos de jabuticabeira, cascas de ameixas que viraram o escudo de Dom Quixote, peças de bronze de um lustre que viraram lanças.
O método de olhar e identificar o cavaleiro andante e seu universo em troncos e placas de madeira funcionou em todas as obras. Gil via o material e começava a trabalhar. “Não são obras em que eu vou esculpindo o que eu quero. Eu vou achando, acho o olho do Dom Quixote… Não sou um entalhador. As esculturas vão aparecendo onde eu as consigo ver. Todas as minhas obras apareceram”.
Outro exemplo desse método é a obra “Fecundação”. “Um tronco de ipê, de uns 70 anos, tinha um cipó que parecia um espermatozóide, direcionado a um nó que parece um óvulo. No meio montei um Dom Quixote e pintei de dourado”, conta Gil. Em “Infância” (a primeira obra concluída), os moinhos aparecem do mesmo tamanho do cavaleiro; em “Cavalo Rocinante Alado”, o observador descobriu o pescoço de Quixote em uma ameixeira e retratou um cavalo Rocinante gigantesco para enfrentar os moinhos.
“Distonia”, segundo Gil, é a obra que define o período. “É um Quixote com distonia. É um problema do qual eu sou portador. Ainda há muito preconceito, tem médicos que nem sabem o que é”. Outra que retrata esse período de criação de Dal Santo é “Fuga”. “Eu estava em um estado depressivo, com um problema neurológico durante a pandemia. Os moinhos estão atrás do Quixote e ele está fugindo. Eu não podia mais enfrentar os moinhos”.
“Triste Figura”, uma alusão a como Quixote era chamado por Sancho (Cavaleiro da Triste Figura), é outro retrato do período. “Era um tronco envelhecido de laranjeira. Sobrou exatamente a cabeça do Quixote, com um olhar baixo, muito triste”. “Cartas a Dulcineia” (a amada do cavaleiro), “Encontro” (entre Quixote e Pança) e “Obracervantes” (com partes de uma cômoda velha e gavetas de imbuia que viraram um livro) completam a exposição.
Da enciclopédia Barsa à Mancha
O fascínio de Gil Dal Santo por Dom Quixote começou aos 9 anos, na casa de uma vizinha. Ele já desenhava e foi consultar a enciclopédia Barsa para um trabalho escolar. “Tinha um livro de capa azul com o nome Miguel de Cervantes Saavedra em dourado. Puxei o livro e na capa tinha um desenho do Dom Quixote e ao lado o Sancho Pança. Folheei o livro e não vi nenhuma gravura, foi uma decepção”, lembra o curitibano. “Todo dia eu ia lá e surrupiava o livro para saber o que estava acontecendo. Comecei a desenhar o Dom Quixote na escola, na geladeira, em todos os lugares”.
Aos 12 anos, na Biblioteca Pública, conheceu “Dom Quixote das Crianças”, de Monteiro Lobato. “Era ilustrado do começo ao fim. Aí veio a minha paixão”. Gil teve uma carreira de sucesso como designer de moda e também deu aulas de história da moda. Entre uma viagem e outra, sempre encontrou tempo para colocar o cavaleiro andante e seu universo no papel. “Tenho 55 anos e desenho o Quixote desde os 10”, diz. Em 2017 teve 20 obras expostas no Centro Cultural da Espanha, em Curitiba, na mostra “De Dom Pra Dom”. O personagem principal? Dom Quixote.
Serviço
Encontros Tocos e Troncos, exposição com obras de Gil Dal Santo
Quando: 25 de novembro, das 19h às 23h30
Onde: Castelo São Francisco (anexo restaurante Veneza. Av. Manoel Ribas 6860, Santa Felicidade)