
Uma boa antologia de música brasileira não dispensa ‘A Flor e o Espinho’, samba de Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha, que é clássico desde a primeira frase: “Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor”. E um destes autores quando sai do verbete de MPB entra no de quadrinhos. Proibidos e populares entre os anos 1950 e 1970, os quadrinhos eróticos de Alcides Caminha ganharam a alcunha de ‘catecismos’. Para não ser importunado, o autor usava um pseudônimo: Carlos Zéfiro.
Apenas em 1991 a espécie humana soube que Zéfiro e Caminha eram a mesma pessoa. O jornalista Juca Kfouri contou na revista Playboy a história deste funcionário do Ministério do Trabalho, que adotou uma segunda identidade para não perder o emprego. Imagine o rebu nas manchetes se esta dupla personalidade fosse revelada nos idos de 1960: “Autor de sacanagem mama nas tetas do governo”.
Paulistano radicado em Curitiba, o empresário Faruk El Khatib lançou em 1977 a editora Grafipar, que apresentou revistas como Atenção, semanal de informação, e Penthouse, esta uma versão brasileira da marca rival da Playboy nos Estados Unidos. Contudo, o que mais agradou foi a safra de quadrinhos policiais e eróticos, supervisionados por Claudio Seto (também paulista, mas de Guaiçara, cidade do centro-oeste do estado). Um dos pioneiros do mangá no Brasil, Seto chegou à capital paranaense no histórico 17 de julho de 1975, dia da neve. Encantado pela cinematográfica recepção, não quis ir embora e fincou traços que serviram tanto para o desenho dos crimes estampados na capa da Tribuna do Paraná como para celebrar lendas japonesas.
Como era possível comprar às claras as histórias de Maria Erótica, personagem de Seto, ainda que ninguém praticasse a leveza de perguntar sobre tais gibis como se pedisse uma Coca-Cola, a Grafipar nem cogitou esconder em pseudônimos os notáveis roteiristas Alice Ruiz, Paulo Leminski e Nelson Padrella, todos já respeitados (o ‘Catatau’, livro-marco de Leminski, é de 1975). E, como lembra o cineasta Roberval Machado, Seto ainda criou no São Braz uma ‘vila dos quadrinistas’, abrigando em casas vizinhas ilustradores vindos de outras paradas, como o pernambucano Watson Portela e o paulista Franco de Rosa.
A sexualidade virou pauta matinal na Rede Globo a partir de 1980, com Marta Suplicy no programa TV Mulher. Antes, uma intelectualidade curitibana já não se reprimia nos quadrinhos. E os leitores, que sequer notavam os nomes nos créditos das revistas, já não enfrentavam a barreira imposta no tempo de Carlos Zéfiro. Por volta de 1960, para comprar os ‘catecismos’ era necessário adquirir uma publicação respeitada, como O Cruzeiro ou Manchete. E cabia ao hábil jornaleiro incluir entre as páginas da revista mais família aquelas historinhas proibidas.
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Mais sobre Cláudio Seto (1944-2008) e os quadrinhos da Grafipar:
— O Samurai de Curitiba (2011), documentário de Roberval Machado e José Padilha
— Grafipar — A Editora Que Saiu do Eixo (2013), de Gian Danton
— Afrodite — Quadrinhos Eróticos (2015), coletânea de desenhos roteirizados por Alice Ruiz e Paulo Leminski.