
O jornalista e escritor paranaense Tomás Eon Barreiros é um inquieto. Ou um filósofo, no sentido mais literal da palavra (aquele que ama o conhecimento). Fez sete cursos universitários, quatro pós-graduações, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Também luta artes marciais, é ator e visitou vários países pelo mundo para fazer cursos de línguas. Ainda se envolveu em mais de 60 livros, seja como editor, revisor ou autor mesmo. Agora, ele lança ‘Assim Somos’, seu primeiro livro de contos. O lançamento será nesta quarta-feira (26), no Jokers Pub (Rua São Francisco, 164, Centro) das 18h30 às 21h30. A data coincide com o aniversário do próprio autor.
“Esse meu gosto pelo estudo e por fazer um monte de coisas é parte do meu desejo irrealizável de abraçar o mundo. Acho uma vida só muito pouco para fazermos tudo que podemos fazer”, disse Barreiros, natural de Cambará e que veio para Curitiba aos 14 anos. “Nós, o mundo e a vida somos infinitos! Por isso também gosto de ser ator, pois tenho a possibilidade de viver outras vidas atuando”.
Em seu primeiro livro de contos, Tomás Barreiros expõe o atrito das relações familiares, sociais e sexuais. E estuda a matéria humana pelas frestas friccionais da classe média com uma prosa limpa e contundente. Sobre ‘Assim Somos’, a atual conjuntura da literatura e projetos futuros, o autor deu a seguinte entrevista ao Bem Paraná.
Bem Paraná — De onde vieram as ideias para o livro?
Tomás Barreiros — Puxa, esta é uma pergunta das mais complexas, chama a eterna discussão sobre de onde vem a “inspiração” de quem faz arte. A escritora Elizabeth Gilbert (autora de Comer, Rezar, Amar) tem uma interessante palestra no TED sobre isso com várias ideias com as quais estou de acordo – recomendo, para quem se interessar pelo tema. Se eu fosse escritor profissional, vivendo disso, provavelmente faria como o grande Cristovão Tezza: trabalharia escrevendo um período determinado de horas por dia, buscando produzir ao menos uma página diária, até ter um livro que depois eu pudesse “burilar”.
Entretanto, como escrevo diletantemente, faço-o conforme venha a “inspiração”. Creio que ela chega (ao menos no meu caso) quando se está com a alma e os olhos abertos. As histórias estão em torno e dentro de nós. As minhas nascem, quase todas, da observação da realidade e das experiências pessoais, incluindo muitas conversas, ouvindo histórias vividas por outros. Geralmente, só cito locais em que já estive (como Salamanca, Lisboa e Salvador, que aparecem nos contos de Assim Somos). Experiências que me marcam de alguma forma ficam guardadas na memória e no coração e vão sendo “trabalhadas” com o tempo, até nascerem em forma de história.
“Tradicional família baiana”, por exemplo, é inspirada em um personagem real que conheci. Realmente estive nos ambientes que descrevo no conto. A partir de uma vivência como essa, vou me perguntando como seria a vida daquela pessoa e crio uma vida fictícia, buscando possíveis respostas. “Pandemia do amor” também: quando começou a pandemia, para evitar o sedentarismo, passei a fazer caminhadas diárias. Numa delas, vi uma bela jovem praticando skate numa ruazinha pacata. Comecei então a imaginar, imaginar… e criar a história em torno dela. “A vista dos pontos”, igualmente, originou-se da observação, tão discreta quanto possível, de uma mulher solitária almoçando na praça de alimentação de um shopping-center. “José Ferreira da Silva” surgiu de várias conversas com coletores de recicláveis. Com os dois mais extensos, foi diferente. “Em nome do pai” derivou de um projeto literário com outros dois escritores que acabou não vingando – o conto era parte do trabalho que me cabia nesse projeto. Já “O filho sem pai” começou em uma oficina literária. Enfim, as ideias e a inspiração aparecem a partir do olhar atento para a realidade, do uso da imaginação, das experiências pessoais, da escuta de histórias alheias, uma vez que estou ciente de que as coisas que me cercam e as emoções que me invadem têm potencial para virarem uma boa história.
Bem Paraná — Dentre os contos de Assim Somos, existe algum mais especial?
Tomás Barreiros — Sem dúvida! Na verdade, dois, os mais extensos: “Em nome do pai”, que abre o volume, e “O filho sem pai”, que o encerra. Se releio o primeiro, espanto-me com alguns trechos que parece não terem sido escritos por mim. Gosto da linguagem, do ritmo, da história em si. Quanto ao último, emociona-me profundamente. Nas vezes em que o reli (por exemplo, nas seguidas revisões), sempre me tocou, a ponto de me brotarem lágrimas. São os meus preferidos.
Bem Paraná — Você teve participação em mais de 50 livros. Neles, passou por todas as etapas do processo, desde a autoria dos textos até detalhes técnicos, como diagramação e revisão, além de textos de apresentação e consultorias. Como foi a produção de ‘Assim Somos’?
Tomás Barreiros — Trabalhei muitos anos como produtor editorial, por isso participei de mais de 60 obras, nas mais variadas funções. Ainda faço eventualmente algum trabalho na área, mas, quanto ao Assim Somos, desde que apresentei para a editora, que aprovou sua publicação, o trabalho foi feito por ela, ainda que sempre submetido à minha aprovação. As ilustrações fui eu que pedi a um jovem e talentoso designer, Cassiano Tabalipa, com o qual já havia trabalhado (ele fez as peças gráficas da minha peça de teatro Outrofobia) e cujos desenhos eu aprecio bastante – ele também fez a sugestão do layout da capa. O projeto gráfico e a capa (que me deixaram bem satisfeito) são da Paula Villa Nova, por encomenda da editora.
Bem Paraná — A ideia de fazer o lançamento no dia do seu aniversário de 60 anos foi sua ou sugestão de outra pessoa? Haverá algo diferente por causa da pandemia?
Tomás Barreiros — A ideia foi minha. Como diz um amigo meu, o nascimento é um evento aleatório em relação ao qual não temos nenhum mérito (risos), mas mesmo assim gostamos de comemorar anualmente essa convenção, como forma de celebração da vida. Eu gosto, mas confesso que tenho certa dificuldade com o hábito de dar e receber presentes, é algo que me incomoda, a não ser que eu conheça a pessoa suficientemente para saber do que ela gosta – e então tendo a dar sempre o mesmo presente (risos). Estamos sujeitos a dar ou receber coisas que não usaremos ou que eventualmente não sejam do nosso agrado. Então, acho que o melhor presente que eu posso receber daqueles que têm algum apreço por mim é a presença no evento, com a eventual compra do livro por quem quiser e puder. Só lamento, realmente, e muito, a situação de recrudescimento da pandemia com a nova variante do vírus, mas creio que será num ambiente relativamente seguro e com todos os cuidados sanitários recomendados.
Bem Paraná — Você se envolveu em várias atividades diferentes, que vão de ator a jornalista, de psicopedagogia a artes marciais, e chegou a fazer cinco cursos universitários distintos. Há alguma coisa que você gostaria de fazer que ainda não tenha feito?
Tomás Barreiros — Na verdade, foram sete cursos: Medicina (um ano), Odontologia (seis meses), Psicologia (uma semana!), esses todos na UFPR, Direito (três anos – comecei também na UFPR, mas acabei cursando aos pedaços em outras três ou quatro instituições), Mediação (um ano) e os dois que terminei, Jornalismo e Gastronomia (feito apenas para aprender a cozinhar, sem pretensões profissionais). Também fiz quatro pós-graduações lato sensu (especializações em Língua Portuguesa, Gestão Profissional do Futebol, Psicopedagogia e Psicodrama), mestrado, doutorado e pós-doutorado. Esse meu gosto pelo estudo e por fazer um monte de coisas é parte do meu desejo irrealizável de abraçar o mundo. Acho uma vida só muito pouco para fazermos tudo que podemos fazer. Nós, o mundo e a vida somos infinitos! Por isso também gosto de ser ator, pois tenho a possibilidade de viver outras vidas atuando.
E a resposta à pergunta é: tudo! Quer dizer, quase tudo, pois nem todas as coisas me atraem. O desejo vai em progressão geométrica: quanto mais se experimenta, mais se deseja. Já tive experiências incríveis que a grande maioria das pessoas não tem. Estive com vários personagens históricos, para o bem ou para o mal, como o Major Curió, o general Sylvio Frota, o “Homem da capa preta” (Tenório Cavalcanti), vários presidentes de diferentes repúblicas, príncipes, criminosos (até um assassino na prisão), todo tipo de gente (inclusive aquelas justa ou injustamente consideradas “escória” ou “marginais”), entrei em palácios e mansões, cortiços e favelas. Já tive metralhadora apontada para o peito, atravessei o Rio Iguaçu a nado (do Brasil à Argentina), peguei caronas de avião (várias vezes), estive em uns 40 países, fiz cursos em nove países em quatro línguas (estudei ou estudo italiano, espanhol, francês, inglês e alemão), etc. etc…. e acho pouco.
Tenho muitos projetos ainda a cumprir. Entre eles, terminar de conhecer todos os países da Europa (onde passo cerca de 45 dias por ano, em média), viajar para outros continentes, conhecer novos povos, culturas e locais. E atuar mais em cinema e teatro (atualmente, atividade que me dá mais satisfação) – faço parte do elenco principal do longa-metragem “Dor, fé e andorinhas”, um belíssimo projeto do diretor Müller Barone, atualmente em fase de captação de investidores e que deverá ser rodado neste ano, estou participando do casting de outro importante longa que será gravado em Curitiba neste ano, um projeto binacional Brasil-Espanha do qual tenho esperança de participar, também devo atuar em uma peça de teatro infantil e voltar aos palcos com a Cia. Re-Trato de Playback Theatre, da qual faço parte. Além disso, manter meu propósito permanente de sempre ajudar as pessoas que necessitam, na medida das minhas possibilidades, ciente de meus enormes privilégios. Enfim, nunca estarei parado e “satisfeito”, ao menos enquanto minhas condições físicas e mentais o permitirem.
Bem Paraná — Como você avalia a leitura e a literatura nos dias de hoje, em que as pessoas parecem mais interessadas em aplicativos de celular e vídeos?
Tomás Barreiros — Olha, contrariando o senso comum, eu não sou crítico quanto a isso. Muito pelo contrário. Nas redes sociais, por exemplo, vejo várias pessoas semialfabetizadas que têm escrito como nunca antes! E fico penalizado quando logo vem alguém “corrigir o português” de quem “escreve errado”. Acho horrível! Porque é admirável ver pessoas que estão conseguindo se comunicar pela escrita, escrevendo, errando e aprendendo com a prática. Também acredito que muitas pessoas estão lendo bem mais do que antes – textos com certa extensão publicados nas redes sociais e na internet em geral. Há muita gente que está lendo bastante, vendo muitos textos disponíveis on-line. Acho isso maravilhoso, fantástico, e algo que deveria ser mais explorado em termos educacionais. Não tenho estatísticas atualizadas, mas certamente a literatura não está em baixa. Livros físicos e digitais continuam sendo publicados e consumidos num ritmo alucinante e num volume imenso. Provavelmente, nunca se leu e escreveu tanto na história da humanidade. A literatura sobrevive e sobreviverá, com toda certeza!
Bem Paraná — Qual será o seu próximo projeto no ramo dos livros? Algum deles está em andamento?
Tomás Barreiros — Atualmente, estou revisando uma obra de ficção de um grande jornalista e escritor, o amigo Nilson Monteiro – esse é o projeto concretamente mais próximo, que provavelmente sairá neste ano. Além disso, estou trabalhando num segundo livro individual de poemas e num conto mais extenso (bastante trabalhoso e de escrita penosa, pois tem muitos “gatilhos” psicológicos que afetam inclusive a mim e que, por isso, nem sei se deve ser publicado). E tenho um projeto ainda incipiente de um livro de contos curtos, a partir de uma ideia bem original (ao menos nunca vi nada parecido) e que espero poder lançar num futuro não muito distante.