
A Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) tornou-se recentemente palco de uma ocorrência de homofobia, na qual (possível e provavelmente) um estudante se valeu da emergência em saúde pública provocada pela varíola dos macacos e de desinformação para esbanjar ódio e preconceito numa mensagem escrita na lousa de uma das salas de aula da instituição.
O caso veio à tona após uma publicação nas redes sociais feita por estudantes, denunciando o episódio. A Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) também já está a par da situação, inclusive tendo cobrado providências por parte da PUC-PR, que se manifestou repudiando o ocorrido nesta sexta-feira (12), após a publicação da reportagem (confira abaixo a manifestação).
De tão ofensiva que é a mensagem, o Bem Paraná decidiu não reproduzir o inteiro teor de seu conteúdo. Basta citar que, de maneira bastante agressiva e preconceituosa, o autor do texto resolveu fazer uma “brincadeira” dizendo para homossexuais não manterem relações sexuais, pois pegariam com mais facilidade a varíola dos macacos.
A situação chamou a atenção, primeiramente, pela violência e agressividade de seu conteúdo. Mas também chocou pelos fatos de: (1) o autor da mensagem ser alguém que, em tese, deveria ter alguma instrução (já que ingressou no ensino superior); e (2) esse aluno estudar numa instituição que se propagandeia como sendo “plural” e que oferece uma formação não apenas profissional, mas também humana.
Entre a comunidade acadêmica de forma geral, a situação foi recebida em tom de repúdio, com diversos estudantes cobrando uma postura incisiva por parte da PUC-PR para reprimir esse tipo de ataque odioso.
“Tem câmeras [na universidade], né? Se a instituição não punir, é porque é condizente com a homofobia”, escreveu um aluno. “Inacreditável. Que triste vivenciar isso, ainda mais num ambiente acadêmico, onde esperamos um pouco mais de senso”, apontou outra estudante. “As pessoas da comunidade LBGTQIA+, além de respeito, merecem um lugar seguro para ser quem são, sem represálias. A faculdade deveria ser um desses lugares, até porque estamos nela para aprender não só sobre o conteúdo, mas sobre convivência e respeito”, destacou ainda uma outra universitária.
Defensoria Pública entra em cena
O Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da Defensoria Pública do Paraná informou, por meio de nota, que encaminhou um ofício à reitoria da PUC-PR requisitando esclarecimentos sobre a mensagem homofóbica que teria sido colocada em uma sala de aula da instituição.
“A Defensoria tomou conhecimento do fato por uma página na rede social Instagram administrada por alunos da PUC-PR. A DPE-PR oficiou a instituição de ensino com o objetivo de verificar a veracidade dos fatos, já que tal mensagem configura crime de homofobia. Além disso, a DPE-PR também solicitou quais medidas a universidade tem tomado para combater a homofobia na instituição”, informou.
ATUALIZAÇÃO: PUC-PR repudia caso de discriminação
A universidade foi procurada ainda ontem (11/08) pelo Bem Paraná, por meio de sua assessoria de imprensa. A reportagem, além de questionar o posicionamento oficial da instituição sobre o episódio, também perguntou quais as possíveis punições ao responsável pela mensagem homofóbica; se o responsável pelo conteúdo já teria sido identificado ou em que pé está a apuração por parte da universidade; quais as possíveis punições ao responsável pelo texto; em qual curso ou bloco e turno das aulas a situação teria sido registrada; e quais as medidas que estão sendo tomadas para combater a homofobia na instituição.
Após a publicação da reportagem, a PUC-PR encaminhou uma nota ao Bem Paraná através de sua assessoria de imprensa, afirmando que a instituição repudia “casos de discriminação de qualquer natureza, os quais são incompatíveis com o ambiente plural de uma instituição de ensino superior”.
Ainda segundo a instituição por meio do Serviço de Apoio Psicopedagógico (SEAP) a Universidade desenvolve o programa “Garantia de Direitos e Proteção Social”, que busca garantir: um ambiente acadêmico saudável e seguro, onde as diferenças e diversidades são respeitadas e acolhidas; apoiar os estudantes em situação de vulnerabilidade, em virtude de risco pessoal e/ou social; e promover a defesa dos direitos humanos.
“Destaque-se que a reflexão e a conscientização sobre a diversidade são parte constante da proposta pedagógica da Universidade, bem como das ações de debate e atividades institucionais direcionadas aos acadêmicos e ao público externo. Sobre o episódio em questão, a Universidade está avaliando a situação a fim de tomar as medidas cabíveis”, informou a PUC-PR.
Censura a evento LGBTQIA+
Esta não é a primeira vez que a PUC-PR se vê envolvida, de alguma forma, numa polêmica envolvendo a comunidade homoafetiva.
Em 2019, por exemplo, o Coletivo Estudantil Diversidade (CED), que tem como objetivo promover a conscientização, debates e pesquisas em relação ao público LGBTQIA+, teve negado um pedido feito à instituição para a cessão de um auditório onde seria realizado o evento de lançamento do CED. Na ocasião, o coletivo acusou a negativa da instituição como uma forma de censura.
“Fomos surpreendidos com a resposta negativa da instituição, afirmando que não apoiaria (nem com a liberação de seus espaços) movimentos estudantis que tratem de ‘pautas de fronteira'”, escreveu o CED na época, em nota de repúdio publicada nas redes sociais.
Na ocasião, o Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana (SINPES) também se manifestou sobre o caso através de uma nota de repúdio, também definindo o o episódio como ‘censura’ .
“O fato é que a instituição não consultou seus docentes, não tem interesse em suas opiniões sobre o evento e, provavelmente, faz do ‘diálogo’ a palavra que, futuramente, será traduzida como censura, homofobia e ataque às liberdades democráticas de expressão, organização e pluralidade política. A PUCPR assume uma política abertamente discriminatória contra seus estudantes LGBTIs”, escreveu na ocasião o Sinpes.
Varíola dos macacos NÃO É uma doença de gays
Em texto publicado recentemente no portal iG, o médico dermatologista Felipe Ribeiro elaborou uma série de ‘perguntas e respostas’ sobre o monkeypox. E um dos questionamentos que ele respondeu foi justamente se a enfermidade seria “uma doença de gays”. A resposta é negativa.
“Qualquer pessoa pode se contaminar. Hoje, 90% dos contaminados são homens que fazem sexo com homens porque ele entrou numa espécie de cadeia de transmissão, mas em breve estará presente em toda a população”, destacou o especialista.
Nesse mesmo sentido, o médico infectologista Fernando Chagas, diretor do Hospital Clementino Fraga, esclareceu que se tem visto que uma grande parte das pessoas com a varíola dos macacos são homens que fazem sexo com homens, mas que isso não significa, de forma alguma, que a doença pertença a um determinado grupo ou perfil de pessoas.
“Isso aconteceu com o HIV e as repercussões foram muito negativas. Associaram o vírus a homens que fazem sexo com homens, gerando mais preconceitos, rótulos e sofrimento. Na verdade, é comum, no início das epidemias, um ou outro grupo ser um pouco mais acometido, mas qualquer pessoa pode pegar monkeypox. No avançar da disseminação do vírus, muito provavelmente nós vamos ver esse perfil mudar, por isso que a gente precisa intervir e evitar que avance muito, avance cada vez mais. Por isso também é importante a conscientização para evitar rótulos e preconceitos, especialmente a população que já sofre tanta perseguição e tanto sofrimento. Não é uma doença dos homossexuais, não é uma doença de um perfil ou outro, é uma doença que acomete a todos”, esclareceu o infectologista em entrevista ao jornal A União.
Como acontece a transmissão de monkeypox
Dr. Renato Kfouri, que é presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, explica que a via de transmissão mais comum é a via de contato com o local das feridas na pele de alguém infectado. Ele ainda ressalta que o quadro da doença que costuma ser mostrado em foto, com pessoas com o corpo coberto por úlceras, é muito raro.
“60%, ou seja, quase dois terços dos indivíduos com essa varíola no momento, têm menos de 10 lesões. Ou seja, poucas lesões, feridas que começam como uma bolha. Essa bolha rompe e forma uma úlcera, como se fosse um buraquinho ali na pele, e vem a formação da crosta, daquela casquinha”, explica.
Pessoas que apresentem lesões assim, especialmente na região genital, mãos e/ou boca devem procurar o serviço de saúde e manter o isolamento social até o caso ser esclarecido e o diagnóstico, confirmado ou descartado. “É assim que transmite a doença, contato direto. Eventualmente transmite pelo ar, já foi detectado o quadro em voos, transmissão aérea”, citou o especialista à Record News, destacando ainda que a doença se transmite por muito tempo. “O indivíduo infectado transmite por três a quatro semanas. Até que a ferida cicatrize, ele é um possível transmissor.”
Paraná soma mais de 50 casos e Curitiba já confirmou transmissão comunitária
O boletim mais recente da Secretaria de Saúde do Paraná (Sesa-PR), divulgado na última quarta-feira (10), confirmou mais 16 diagnósticos de varíola dos macacos no Paraná,com 14 ocorrências em Curitiba, uma em Araucária e outra em Cascavel. Com isso, o estado soma 52 confirmações de monkeypox e há ainda outros 93 casos suspeitos em análise, sendo que a capital paranaense já confirmou a transmissão comunitária da doença.
No Brasil como um todo, o Centro de Operações de Emergência (COE) Monkeypox, criado pelo Ministério da Saúde para monitorar o avanço da varíola dos macacos no país, determinou nesta semana o nível máximo de alerta para a doença.
Até aqui, há 2.293 casos confirmados de monkeypox no território nacional, sendo que no final de julho foram registrados os primeiros diagnósticos em crianças: um menino de apenas dois anos em Salvador, na Bahia, e duas meninas de anos de idade em São Paulo (SP).