Espetáculos Crítica

Espetáculo Vida estreia com meia hora a mais

Peça vai melhorar, é só deixar acontecer

Fernando Klug, especial para o Bem Paraná

Vida, com texto e direção de Márcio Abreu em processo colaborativo com poetas e elenco, estreou com aproximadamente 30 a mais que o divulgado no programa do Festival. As intenções foram boas. Atores e autores falando quase sempre em primeira pessoa; a procura da proximidade através de alguns depoimentos pessoais; o falar com simplicidade da falta, do achar algo que faça sentido, das escolhas que a idade vai trazendo e da escolha (de Curitiba), entre outras coisas. Mas, após o tom de internacionalidade do início, baseada na experiência de parte do elenco o “se queres ser universal  canta a tua tribo” andou por muitos meio-caminhos de idéias e estéticas, não focando precisamente nada. E ficou a confusão, em momentos, entre haver personagens de ficção ou simplesmente atores depondo. Juntando-se os vários finais falsos para recomeços lentos e sem força dramática, o espetáculo acabou por se tornar cansativo.
 
A primeira impressão que me fica é que Vida nasceu de algo racional, organizado, e não do espontâneo. Como se a direção tivesse tentado dar alma, de fora para dentro, a um Frankestein formado, a partir da obra de Leminski, das próprias reflexões do diretor e das colaborações do elenco.  Algo ficou preso, organizado demais. Os vários falsos finais e recomeços soam mais como dificuldade da direção em organizar o caos do que como um caos espontâneo.Faltou Leminski, sobrou parnasianismo.
 
Quando o tom é discursivo, como no início e no final (que se parecem), o bom Rodrigo Ferrarini consegue dar-lhe humanidade. Quando tom é poético, ainda bem que há um Ranieri Gonzalez; ou uma Nadja Naira, no final. Talvez a organização espacial quadrada, equilibrada, e o cuidado obsessivo e visível em deixar cenários e objetos de cena nos lugares certos, posturas dos atores muitas vezes exageradamente calculadas, talvez aí resida a não vida, a prisão do movimento, no espetáculo. Para quem viu: há muito mais Leminski no Evangelho Segundo São Mateus, de Edson Bueno.
 
Apenas após ter lido o programa é que compreendi que havia um exílio em uma cidade imaginária e que se trata de um ensaio de uma banda. Dentro da forma apresentada, não parece haver uma historinha nem conflitos definidos entre as personagens. Não que tal conflito precise ser o foco. O problema é a peça não se desenvolver sobre algo claro, uma queixa, um desejo,  uma reflexão. E  por vezes, as personagens não se definem, como as de Ranieri. É um, são dois, é Ranieri interpretando? Falta definição à direção. Ora há esboços de relação entre os atores/personagens (que usam o próprio nome), ora há entradas que parecem ter sido construídas apenas para se declamar um poema (caso da cena de porque os cachorros latem). Ora há a espontaneidade de se falar das tatuagens do corpo do ator – tomando-o um exemplo, uma homenagem à coragem – ora o espetáculo assume um tom quase piegas, elevando pensamentos comuns – embora bonitos – à categoria de jóias. Sem dúvida, há momentos muito bons, como o texto final e a interpretação de Ferrarini. Mas chegam a cansar pelo excesso anterior de cenas e palavras – sem foco e continuidade.

O momento da festa de aniversário da atriz Giovana Soar é uma dessas cenas: naquele momento, a impressão é de que o público foi convidado a uma exibição terapêutica do elenco. Desce a obra de arte, sobe o reality show.  A direção do bom Márcio Abreu trabalha muito bem o início da peça – toda a performance de Ferrarini, com detalhes divertidos. Embora economize demais a luz, que parece faltar no rosto dos atores e mesmo para dar destaque a quem precisa. Infelizmente, passa o tempo e fica a impressão que seguiu uma cartilha de ritmo, previsível.  A luz, melhora.
 
A trilha sonora de André Abujamra e a execução musical é um dos pontos altos  com boas interpretações do músico – não citado na ficha técnica do programa do festival – como do elenco. Tecnicamente, diga-se de passagem, o elenco é bastante competente. Além da bela voz e interpretação de Ranieri, com o lamento de que, em alguns momentos, todos literalmente param para assistir
ao virtuosismo do ator. Alta qualidade performática, mas para que? Para mostrar os tais 15 minutos do desejo?
 
O humor, ponto que deveria ser importante, se salva novamente nas interpretações de Gonzalez e Ferrarini. E, a acidentes como o do ventilador e a risada estrondosa de uma pessoa do público.  Muito bem conduzida por odos. Nadja Naira, em performance delicada, traz uma personagem bem onstruída e que, coerentemente, mostra-se nas últimas cenas, em discurso onvincente. Mas sinto a falta dela ser trazida mais vezes ao primeiro plano
          
 
Com tantos senões em relação ao espetáculo, fica a impressão de que não há ualidades. Há, e muitas. Não à toa, o público aplaudiu até após as cortinasse fecharem. Vida vai melhorar, não tenho dúvidas, é só deixar acontecer.Sobra à equipe qualidade artística e intelectual. Para roubar um pouco doLeminski, é só deixar que apareça o tal “elo entre o azul e o amarelo”.