Dizer ‘família louca’ é quase um pleonasmo. Das mais bizarras patologias às mais risíveis trapalhadas, a convivência de parentes sempre fornece vasta matéria-prima para artistas de muitas áreas. Mas quando se trata de mostrar, com o exagero típico dos cômicos, a delícia a dor da convivência familiar, o grupo russo Licedei consegue alcançar humor surpreendente. Pelo menos é o que se deduz pela amostra de algumas imagens do espetáculo Semianyki (Família) captadas no site desse grupo criado há 40 anos pelo palhaço Slava Polunin, considerado um mestre, referência mundial em sua arte.
O russo Família, que será apresentado nos dias 11, 12 e 13 no Teatro Ouro Verde, é apenas uma das 49 atrações da 41ª edição do Festival de Londrina (Filo) que começou sexta-feira (5), com a apresentação da premiada montagem paulistana A Noite dos Palhaços Mudos no mesmo teatro, o maior da cidade, e só termina no dia 21. Até lá vão passar pela programação desse festival, a mais antiga mostra internacional do País e uma das mais importantes, encenações de oito países.
Algumas atrações internacionais, graças à parceria entre o Filo e o Centro Cultural Banco do Brasil, vão passar também pelo Distrito Federal, uma forma de aproveitar ao máximo a presença dos estrangeiros no País. É o caso do Licedei, que se apresenta também no CCBB nos dia 19, 20 e 21. A presença do bom teatro de países vizinhos é bastante comum nos dois festivais dos Estados da região sul, como o Filo, no Paraná, e o Porto Alegre em Cena, no Rio Grande do Sul.
Assim, mais uma vez, o evento conta com um belo espetáculo dirigido por Daniel Veronese, um dos mais renomados encenadores argentinos, e ele é também dramaturgo. La Noche Canta sus Canciones, que tem apresentações nos dia 8 e 9, já passou pela programação do Porto Alegre em Cena, e é dessas peças que merecem ampla circulação. Veronese explora um estilo que aparece em outras de suas encenações: um despojamento absoluto de elementos de cena e uma linha de interpretação que aparenta ser natural, flagrante de cotidiano, mas é justamente o oposto. Sob seu comando, essa atuação resulta em intensa teatralidade na forma como consegue revelar sentimentos humanos ao extremo da filigrana.
A ação de La Noche, que tem texto do norueguês Jan Fosse, se passa numa arena completa. O público acomodado muito próximo aos atores, um jovem casal numa sala simples, um sofá, um carrinho de bebê, uma mala, revela o desgaste da relação em cada pequeno gesto. Ele é um escritor fracassado, ela o culpa pela pobreza, em todos os sentidos, do dia a dia. O bebê os mantém unidos até aquela noite. Poderia ser banal, mas o tratamento cênico transcende o cotidiano para comover com tons trágicos.
Claudio Tolcachir, um dos intérpretes de La Noche, é autor e diretor de La Omission de la Familia Coleman, também já vista em Porto Alegre, outra que vai transitar por Brasília. Mais uma vez a família está em foco e numa rota de desagregação evidente. Embora vivam juntos, os vínculos são frágeis e vão se dissolver de vez, quando a avó é internada num hospital. A atmosfera tragicômica dá o tom dessa montagem que também conta com excelente elenco.