Carcará, lá no sertão, é um bicho que avoa que nem avião…. Os versos áridos da canção Carcará é como um cartão de visitas para a música do fabuloso compositor João do Vale (1934/1996). O músico maranhense que, diga-se de passagem, andava meio esquecido ultimamente, terá sua vida e obra relembrada pelo grupo Mundaréu com o espetáculo No Pé do Lajêro que será apresentado a partir deste sábado, dia 17, às 19 horas, no Guairinha (R. XV de Novembro, 971). Na ocasião o trio – formado por Itaercio Rocha, Melina Mulazani e Thayana Barbosa – recebe o músico Carlinhos Ferraz como convidado especial e juntos fazem uma verdadeira viagem musical que sai do Lago da Onça, no interior do Maranhão, e termina no Forró Forrado, casa de shows que, no final da década de 70, embalou o melhor da música popular brasileira nas noites cariocas. Nós vamos contar a trajetória vitoriosa de João do Vale, resume Itaércio. As apresentações acontecem aos sábados, às 19 horas, e nos domingos, às 16 horas, até o dia 25 de abril.

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No Pé do Lajero é um espetáculo que nasceu há quase sete anos. Desde então vem passando por um processo de transformação até chegar ao formato ideal: acústico, que equilibra música e teatro. Em cena os músicos contracenam com vários bonecos que reproduzem miniaturas de João do Vale, no meio de malas e pássaros azuis e brancos. O repertório traz 16 canções do compositor maranhense que já foi cantado por Chico Buarque, Tom Jobim, Gilberto Gil, Fagner, Maria Bethânia, Caetano Veloso, João Bosco, Tim Maia e tantos outros grandes nomes da MPB. Entre suas composições mais conhecidas – além da já citada Carcará – estão clássicos como O Canto da Ema, Coronel Antonio Bento, Pisa na Fulô, e muitas outras. As falas que costuram o espetáculo são todas de João do Vale, retiradas de livros e de programas que ele participou.

Itaercio Rocha explica que pela primeira vez o Mundaréu apresenta um espetáculo dedicado à obra de um compositor. O show é um pouco mais denso dos que os outros trabalhos e não é tão dançante quanto nossas propostas anteriores, adianta. Ele diz que a pegada musical não será voltada apenas a música do Maranhão. O João viajou o Brasil todo como um homem comum em empregos como ajudante de caminhoneiro, vendedor de pirulito, minerador de garimpo e pedreiro. Nesse caminho, na nossa teoria, ele vive todas essas manifestações até chegar no Rio de Janeiro. O show então faz esse percurso musical do maracatu ao samba. No final a gente procura provocar uma paixão pela obra do João do Vale., comenta.

Oitavo espetáculo do Mundaréu (que mantém no repertório o Cortejo Natalino, a Viúva Alucinada e o Forféu) no Pé do Lajêro se tornou um grande desafio para seus integrantes. Melina Mulazani conta que a maior dificuldade, como atriz e intérprete, é reproduzir as letras de João do Vale com a mesma força que ele compôs. O que me impressionou foi a força que ele passa na suas canções. Elas trazem simplicidade com muita sofisticação. Isso tudo aliado a uma grande alegria do viver, considera. Thayana Barbosa concorda e completa: O João do Vale traduz sua realidade com muita delicadeza e força. Para Carlinhos Ferraz, o músico mostra nas suas canções uma bagagem poética de quem teve recursos do seu meio, daquilo que estava a sua volta. E se expressou de forma completa.

Itaercio Rocha, único dos integrantes que teve a chance de ver um show de João do Vale ao vivo, lembra que ele era de uma força fantástica. Mas nesse espetáculo acho que o ganho do Mundaréu é a ambivalência. No show nós podemos mostrar que ele foi um dos compositores que trouxe para a MPB essa relação entre a cultura popular e a pluralidade simbólica.

João do Vale
Cantador e poeta do povo, completa ao lado de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro a Santíssima Trindade que dentro da música brasileira foi capaz de cantar com maestria, as tristezas e alegrias do sertanejo e do retirante. Viajou o Brasil procurando melhores condições de vida. Morou durante certo tempo no Rio de Janeiro e lá influenciou toda uma geração de músicos e artistas.

Durante o dia era pedreiro e a noite tentava nas rádios da cidade que algumas de suas composições fossem ouvidas por artistas que pudessem vislumbrar a beleza que elas continham. Do encontro com Luis Vieira surgiram maravilhosas parcerias e a possibilidade de deixar a vida de pedreiro e virar artista com a gravação de Estrela Miúda (1953) por Marlene e Na Asa do Vento na voz de Dolores Duran.

João investiu também no cinema, iniciando como figurante, depois passou a compor trilhas sonoras, chegando a assistente de direção. Como músico e compositor, lançou os LPs: João do Vale – O Poeta do Povo (1965), João do Vale (compacto duplo) (1967), João do Vale Convida (1981) e João Batista do Vale (1994). Iniciou sua carreira de cantor no show Opinião, e em 1978 passa a comandar o grandioso Forró Forrado.

O Show Opinião realizado em dezembro de 64, com Nara Leão e Zé Keti, e direção de Augusto Boal, assinalava a primeira voz discordante da ditadura militar que se instalava no país. O Forró Forrado, palco de apresentações memoráveis de João do Vale e seus convidados ilustres, um dos mais populares bailes da cidade do Rio de Janeiro, foi um sucesso estrondoso no final dos anos 70, virou ponto de encontro tanto da intelectualidade como dos amantes de verdade de um forró lascado.

Serviço: No Pé do Lajêro – uma homenagem do Mundaréu à João do Vale. Direção: Itaercio Rocha. Elenco: Itaercio Rocha, Melina Mulazani e Thayana Barbosa. Convidado: Carlinhos Ferraz. Apresentações sábados, às 19 horas, e Domingo às 19 horas, no Guairinha (R. XV de Novembro, 971). Ingressos R$10 e R$5 (meia-entrada). Classificação: Livre.